minha namorada, apesar dos ressentimentos, cuidou muito bem de mim nesses dias dolorosos. uma grande mulher que chamo de Pequena. quando cheguei na maca com rodas da sala de cirurgia, ela já me esperava no quarto, com um sorriso triste no rosto e as duas mão unidas em sinal de solidariedade. querida, ganhei uma xoxota pra gente, eu lhe disse.
muitas dias de insônia e noites em claro se passaram. é difícil dormir com um rasgo do tamanho de um lápis bem ao lado dos bagos. além disso, não consigo dormir olhando pro teto. não que eu durma de olhos abertos, mas a posição de defunto realmente detona as costas e me impede o desligamento. tento, em vão, girar levemente meu corpo pro lado esquerdo, até aguento alguns segundos, entretanto, a ferida late e eu volto pro tutankamon. mesmo assim, desde ontem, já consigo caminhar, aliás, é o que eu mais faço agora, apesar dos alertas. sentar é burrice. nos 3 dias que passei deitado, senti uma sensação semelhante a uma garrafa tampada de coca-cola chacoalhada. assim, caminho lentamente, pisando de leve e gemendo baixinho, como um zumbi, a diferença é que não levanto os braços pra frente nem tombo a cabeça pro lado. sou uma pessoa aflita, descobri.
li "A Arte de Produzir Efeito sem Causa", o novo livro do Mutarelli, ontem mesmo. gostei pra caralho. fiquei um tanto perturbado com o Júnior. e ainda tento descobrir quem enviava a porra daqueles pacotes. já à noite, assisti "O Cozinheiro, o ladrão, sua esposa e o amante", de Peter Greenaway. creio que essa combinação, mais as doses cavalares de antibióticos, analgésicos & antinflamatórios sejam os motivos do pesadelo mais horripilante que já tive em toda minha vida. dormi 1 hora e meia nessa última madrugada, e sonhei que era atacado, em diversas situações, por baratas voadoras no cio, policiais fardados cariocas e ex-mulheres que colocavam fogo nos meus cabelos e tentavam arrancar meus dedos no dente. acordei empapado de suor, com os olhos saltados e uma dor borbulhante na xoxota, como se vermes refestelassem na carne ainda fresca. fui à cozinha, enchi um copo de Tang laranja preparado na manhã anterior, acendi um cigarro e fiquei pensando: que merda. que merda, caralho. eu realmente levei a parada à sério, e quase rezei.
hoje fui ao médico. troquei meu curativo e na volta passei no Mercearia. tava um calor miserável. fiz uma coleta nas prateleiras e comprei mais uma cota de livros.
agora vou ler.