Ando postando pouco por aqui. Sequer acessei direito internet esses dias. Por mim, tudo bem, até aqui. No entanto, aproveito o frio e esse final de mês junino e o ensejo dessa onda caipira para falar de algo que venho escutando incessantemente:
Era uma vez, há muito muito tempo atrás, no ano de 1937, num vilarejo nos arredores do grande estado do Texas, quando o mundo era um pouco mais vazio e as grandes guerras eclodiam no Velho Mundo, quando os rios ainda eram limpos e as mulheres se vestiam melhor sem o auxílio de espelhos, uma cambada de moleques caipiras, de calças curtas e puídas e os dedos amarelados pelo tabaco e rapé, que tinham em comum o gosto pela música de Jimmie Rodgers, Bob Wills e Woody Guthrie. Um belo dia, esses vagabundos se juntaram num barracão e resolveram gravar um som, um hillbilly do caralho, para ser mais específico, já que naquela época, o termo country music nunca fora usado, e o estilo estava começando a criar asas após o primeiro lançamento de Jimmie Rodgers, 10 anos antes. Ben Pollack, Irving Fazola e Mugsy Spanier eram ratos do jazz, vistuosos e cheios de panca, já Maggsy Spanier, Ben Kanton, Joe Price e Francis Palmer, gostavam mesmo era de Western Swing, uma espécie de country dançante, cheio de improvisos e muitos músicos tocando juntos, num fuzuê só, daqueles que as damas no salão ficam dançando segurando as saias enquanto os marmanjos batem o salto da bota no assoalho ao mesmo tempo em que atolam o chapéu na cabeça. A turma, mal resolvida com o microfone, convida então Whitey McPherson, um molequinho magricela de 14 anos, um verdadeiro virgulino, para cantar numa sessão em que gravariam 15 músicas. Escutando a voz de McPherson, é fácil enxergá-lo como uma rapariga frágil de vestido florido e butina de couro marrom por causa de sua voz, que invoca ares de uma Billie Holiday yordeler. A forma como ele transforma um desafino em algo agradável como uma brisa é impressionante. Segundo o blog Western Swing, o Rhythm Wreckers praticamente fez apenas essas gravações e depois cada um foi pro seu canto. Mugsy Spanier, o rapaz responsável pela corneta da banda, suvaco de cobra que era, disse que sequer escutou as fitas depois de gravadas, e que a banda era um fracasso. Depois disso, Whitey McPherson ainda foi apadrinhado por Woody Guthrie, que o levou para Tijuana para se apresentar em seu programa de rádio. A última notícia que se tem do rapaz é que ele foi servir na Índia, em 1944. Big Tom, também conhecido como Tonhão, um negro de dois metros de altura e poucos dentes na boca, lembrou, numa noite farta de Bourbon, que McPherson era mais conhecido nas planícies texanas pelo seu gosto por ovelhas que pelos seus dotes de cantor hillbilly. No arquivo abaixo está disponibilizado essas raras gravações, que eu roubei do Western Swing. É difícil explicar a satisfação que sinto escutando essas antigas canções, que são cópias feitas diretamente de raros vinis de colecionadores. Apenas deito no sofá e aprecio esse jogo de solos, quando, na safadeza, entra o violino escorregando por cima; outrora quem manda é o clarinete; daí a guitarra de Joe Price aparece na maciota enquanto o violão faz a base marota. Algumas canções me remetem à antigos desenhos animados em preto & branco, outra me fazem sentar numa varanda de uma chácara há muito desaparecida, pouca iluminada, para cortar as unhas dos pés com um alicate enferrujado, numa noite fresca com alguns vagalumes que voam descompromissados pelo matagal ao redor. “Am I Blue” é a mosca branca desse disco. Quando McPherson pergunta se ele é triste depois que ela foi embora, sinto vontade de rir. Essa música, escrita por Harry Akst e Grant Clarke em 1929, depois seria gravada por Ella Fitzgerald, Billie Holliday e Etta James, no entanto, nenhuma dessas versões parece contar com o deboche e o swing dos Rhythm Wreckers. “Blue Yodel No.2 (My Lovin' Gal Lucille)” coloca uma guitarra viajante em primeiro plano, até que MacPherson entra num vocal jazzístico rasgado lamuriento que, esperto, se transforma em uivos para a lua cheia de outono. Perfeito.
Rhythm Wreckers - via mediafire
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Aproveitando, dêem uma passada no MySpace dos parahybanos do Burro Morto - esse nome de banda é foda – para conferir o ótimo som dos caras. Em breve mais informações sobre o show que eles vão fazer aqui com os mamelucos do Cicrano.
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E o Diddy Wah disponibilizou uma sonzera infernal do Fela Kuti lá em seu sítio. Se eu fosse vosmecê, passava lá e fazia o refestelo.
Tuesday, June 24, 2008
Monday, June 23, 2008
Eu não sei me despedir. Cruzei a ponte que ligava nossos bairros pensando nisso. Já estava bem tarde. Meus sapatos raspavam as pedras no chão. Do outro lado, um homem empurrava um carrinho de bebê. Bem tarde pra passear. Eu apenas fugia. Como sempre. As águas do rio estavam escuras como lodo, e refletiam a luz da Lua. Nem olhei pra trás, apenas pensava no por que de não saber me despedir sem quebrar alguma coisa. Você também não perguntou nada. Com um punhado de reais no bolso, fui direto pra estação. Lá encontrei Rose, que trabalha no bar no período noturno. Contei que ia apenas ali. De trem. Volto logo. Sentei no chão e encostei na parede gelada. Tava frio como num frigorífico. Poucas pessoas passavam. Na maioria, velhos tristes e sem expressão, como múmias ambulantes. Uma música saia da caixa de som dependurada no teto. Bem baixinho. Não consegui distinguir, mas parecia música country do começo do século passado, bem lamuriosa. O trem apareceu. Entrei e encontrei muitos lugares vagos. Tava um fedor do caralho. Dormi logo, com a cara no vidro. Só acordei quando o fiscal apareceu para pedir meu tíquete. Sentia-me mal pelas lembranças e sabia que ficaria assim por um bom tempo ainda. Permaneci olhando as luzes que passavam rápido lá fora. Desejei com todas as minhas forças que aquela merda dentro de mim desaparecesse. Fosse embora, no trem noturno.
segunda de merda
talvez essa nova mentira esquecida por você na mesa da cozinha eu já esperasse. como giletes embaladas em celofane na caixa de correio numa segunda-feira. agora amarro minha cabeça com os dedos sujos do seu mel. as chamas estão fracas lá fora. pela janela aberta por onde a chuva entra, vejo o quintal escuro e as plantas murchas que um dia você cuidou.
Tuesday, June 10, 2008
cowboy
Domingo fui à quermesse aqui do bairro e aconteceu algo inédito em minha vida: eu ganhei no bingo. Sou um cara de sorte. Meu time fode na Libertadores e eu ganho no bingo. É.
Pagando a entrada se ganhava uma cartela de bingo, assim, munidos de quentão e expectativas, fomos a uma grande sala nos fundos da Igreja, onde ocorria o jogo do azar. Um senhor grisalho de bochechas flácidas anunciou os prêmios. Quem fizesse a linha ganhava um jogo de sobremesa. Cartela cheia levava 20 mangos. Por coincidência, todos meus números apareceram na mesma linha, assim, logo bati. Gritei bem baixo, para não chamar atenção da turba, quase falando: ganhei. Caminhei até a bancada e estendi a cartela para o bochechudo. Essa senhora também ganhou, disse ele, apontando para uma japonesa gigantesca de vestido vermelho ao meu lado. Eu sorri, ela me encarou bem macha, como se dissesse sai fora, arrombado, o prêmio é meu. O bochechudo entregou o jogo de sobremesas a ela. Eram umas cumbuquinhas plásticas com colheres coloridas. Um mimo. Eu realmente queria aquela porra, mas aceitei o fato calado. Pensei, foda-se, é só um prêmio. Bonifácio, traz outra prenda pro rapaz aqui, nisso, disse o rei do bingo. Bonifácio parecia emburrado, mesmo assim, me trouxe um pirex de plástico com umas flores tatuadas. Poxa, valeu, cara. Assim, fiquei passeando pela quermesse com o pirex debaixo do braço. Comi espetinho e pastel, depois matei um cuscuz de tapioca. O lugar começou a encher. Mandíbulas sedentas trituravam as iguarias juninas. Lamentei a falta de um tiro ao alvo, para que eu pudesse provar que sou bem melhor de pontaria que no bingo.
Pagando a entrada se ganhava uma cartela de bingo, assim, munidos de quentão e expectativas, fomos a uma grande sala nos fundos da Igreja, onde ocorria o jogo do azar. Um senhor grisalho de bochechas flácidas anunciou os prêmios. Quem fizesse a linha ganhava um jogo de sobremesa. Cartela cheia levava 20 mangos. Por coincidência, todos meus números apareceram na mesma linha, assim, logo bati. Gritei bem baixo, para não chamar atenção da turba, quase falando: ganhei. Caminhei até a bancada e estendi a cartela para o bochechudo. Essa senhora também ganhou, disse ele, apontando para uma japonesa gigantesca de vestido vermelho ao meu lado. Eu sorri, ela me encarou bem macha, como se dissesse sai fora, arrombado, o prêmio é meu. O bochechudo entregou o jogo de sobremesas a ela. Eram umas cumbuquinhas plásticas com colheres coloridas. Um mimo. Eu realmente queria aquela porra, mas aceitei o fato calado. Pensei, foda-se, é só um prêmio. Bonifácio, traz outra prenda pro rapaz aqui, nisso, disse o rei do bingo. Bonifácio parecia emburrado, mesmo assim, me trouxe um pirex de plástico com umas flores tatuadas. Poxa, valeu, cara. Assim, fiquei passeando pela quermesse com o pirex debaixo do braço. Comi espetinho e pastel, depois matei um cuscuz de tapioca. O lugar começou a encher. Mandíbulas sedentas trituravam as iguarias juninas. Lamentei a falta de um tiro ao alvo, para que eu pudesse provar que sou bem melhor de pontaria que no bingo.
Monday, June 09, 2008
Tuesday, June 03, 2008
Bo Diddley is a Gun Slinger
Ontem peguei de relance no final do Jornal da Globo a notícia sobre a morte de Bo Diddley. Porra, o cara estava com 79 anos. Viveu bastante e fez mais que o suficiente. O negão que, junto à Chuck Berry e Little Richards, eletrificou e acelerou o blues a ponto dele se tornar o rock n roll, também inventou o hand jive, um estilo de tocar, às vezes num acorde só, que ainda é chupado hoje em dia. Suas músicas são a catarse sonora, com a guitarra base rasgada como milhares de telhas de amianto sendo esmagadas, uma solando cheia de estilo, as crioulas doidas enlouquecidas nos backing vocals e muita, muita safadeza e tiração de onda. O foda, ontem, foi que fiquei pensando no assunto enquanto os créditos do noticiário subiam: porra, por que não morre logo o Lulu Santos? Nisso, de repente, eis que surge Lulu. Requebrando como uma geléia, com a boca de sapato jorrando perdigotos viscosos e andando nas pontinhas dos pés no palco do Programa do João Soares. Aquilo me fez um mal do caralho. Dizem, que quando você cita um elemento e ele aparece logo em seguida, significa que ele não morrerá jamais.
"Bo's Bounce" - Bo Diddley
"Bo's Bounce" - Bo Diddley
Monday, June 02, 2008
No sábado, fiquei no sofá. Li um Love & Rockets comendo biscoito e tomando chá. Depois dormi um pouco. Sonhei com fadas coçando minhas costas e cantando cantigas. De fundo, ondas quebravam na costa rochosa de algum lugar esquecido. Lá em casa tem um gato. E ele mia às vezes. Ele estava na árvore que fica em frente à minha casa. E miava estridentemente. Sonolento eu gritava: Alicate, cala a boca, caralho! Contudo, acho que ele queria me chamar para brincar de macaco e subir na árvore e atirar bananas e me pendurar pelo rabo rindo. O gato miava. Eu coloquei a almofada na cabeça para abafar um grito, um urro gutural de quem precisa descansar e não consegue. Irritado como um empresário, me levantei e fui lá fora, peguei a mangueira e liguei a torneira, a água percorreu a borracha, eu apontei em direção à árvore e o esguicho foi, formando um arco brilhante no ar. Alicate, desesperado, me encarou com as orelhas abaixadas. Mia agora, filho da puta. Ele se calou, finalmente. Eu voltei pro sofá. Alicate apareceu emburrado. Seu rabo balançava como uma pipa, sinal de poucos amigos. Alisei seu pêlo para secar o excesso d’água e ri, apelei, né, seu desgraçado, eu disse. Daí coloquei “Down By Law” para assistir pela primeira vez. Alicate se ajeitou, apoiou a cabeça sobre suas patas dianteiras e se preparou para a sessão da tarde. Eu já sabia o que podia esperar do filme, mesmo assim, fiquei impressionado. Porra, aquilo ali é foda. Tem tudo que eu gosto, personagens mesquinhos e vagabundos, bostinhas; o P&B que lembra uma história em quadrinhos imunda impressa em papel jornal; a trilha matadora de John Lurie e Tom Waits; e o humor de prima, original, não aquela coisa boba que se encontra em prateleiras. A cena do Tom Waits cantando sentado na frente de um barraco sórdido com uma garrafinha de whisky é linda. E aquela do Roberto Benigni, desesperado porque seus companheiros de cela o abandonaram na beirada do rio e os cães estão chegando para pegá-lo, é assustadoramente engraçada. É um filme que dá vontade de assistir em pé, na frente da TV, para perder nada. Formidável, assistirei outra vez. Alicate dormiu antes da metade do filme. Mesmo assim, fiz questão de incomodá-lo arremessando pipocas em sua testa felpuda. Sou um cara vingativo, mamãe diria.
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