Saturday, December 22, 2012
por mais que eu fuja das sombras dos prédios, tudo termina num beco sem saída. numa nuvem escurecida pela nostalgia. na cidade que tem o poder de esmagar um homem que cultiva o ontem, salto no abismo. não me lembro onde tudo isso começou. As mentiras brutais. meus amigos nunca me abandonaram. nem mesmo quando desabei. tem vez que a gente se coíbe. Esse lado obscuro que apenas àqueles que enxergam os ninhos do embuste percebem. o lado perdido. O engano da massa ruminante ávida por sangue coalhado. quando minha origem é um grupo de suicidas massacrados que flutuam de braços abertos num córrego canalizado que escorre rumo à periferia da alma. prefiro a companhia desses fantasmas à falta de sonhos. o fim de tarde sangrento e o trafego nas avenidas principais. o céu nublado torna-se noite. e seguimos. fluímos. em sombras melancólicas. a triste beleza. a calamidade eterna como opção. o nojo da sociabilidade. ando melancólico. vago pelas ruas sozinho numa fusão sofisticada de belos sentimentos contraditórios e profundos. idolatro minha dor. uma mágoa doce. tento prolongá-la. demoro dentro dela. respiro melancolia nesses dias de furacão. e cavo em silêncio o abismo que existe entre mim e a pessoa amada.
Saturday, December 08, 2012
Nessa síndrome de escapismo aceleramos pelas rodovias federais durante 21 horas seguidas. Eu não fazia idéia. Eram cânions. Era o norte. Foda-se. Era ali. Seus olhos em minha cabeça. O melhor hotel barato. Era o posto de gasolina amigável com cerveja gelada. Era calor pra caralho e você bêbada rindo de longe. Depois era onde entrei com o carro no estacionamento de cascalho fino de um motel esmagado pelas intempéries do tempo. Eu tinha uns pensamentos ruins. Meus olhos latejavam dentro da minha caveira e meus dedos estavam rijos de tanto pressionar o arco do volante. Já era noite havia muito tempo. A chuva martelava o teto do carro. Eu tinha uns pensamentos que queria dividir com você. Eu parei o carro e você abriu a porta para mandar um jorro fino de vomito no chão. Fiquei assistindo as gotas da chuva atingindo os cabelos desgrenhados da sua nuca. Você reclamou da náusea sacudindo as mãos como uma mímica. Bebeu mais um gole da garrafa. Na recepção, dois sujeitos assistiam à programação noturna dos canais abertos da televisão. Um deles, prateado, pareceu não nos notar, mas o segundo se levantou e veio nos cumprimentar. Era um senhor magro de sotaque forte. Imaginei que devíamos estar perto do Pará. Queremos um quarto. Precisamos de um quarto e de um chuveiro, você disse. Completamente linda e transtornada. Podem escolher, tem ninguém aqui faz mais de duas semanas, disse ele. Nem amigos passam por aqui mais, completou. Escolhemos um apartamento encardido no fim do corredor do segundo andar. Parecia longe. Talvez o mais distante da recepção. Parecia nosso. Pagamos quatro dias, à vista. Não perguntei sobre o café da manhã. A janela emoldurava a rodovia. O letreiro de neon projetava sua luz azulada. A cama de madeira estava feita. A colcha de retalhos cobria um colchão magro. A televisão de 14 polegadas pendia no suporte ao lado da porta do banheiro. Uma mesa e uma cadeira estavam dispostas próximas à janela. Você correu para o banheiro e fechou a porta. Eu acendi um cigarro e fiquei assistindo a chuva cair no estacionamento. Pelo cone formado pela luz do poste eu podia ver as gotas cintilando como laminas de cristal. Liguei a TV e tirei meus sapatos encharcados. Nessa sua síndrome de escapismo você sequer notava minha presença. Deitei minha cabeça no travesseiro e dormi. Eu queria sonhar com Éden, um lugar onde os rios não fossem de asfalto. Onde o amor nunca morre. Onde o peito não explode. Quando acordei tudo estava vazio. Senti falta de casa. Vi seu corpo esparramado no canto da cama. O letreiro de neon piscando sobre suas veias aniquiladas. Sua boca semiaberta com um cigarro pendendo pregado com baba seca no lábio inferior. Peguei seu braço esquerdo e percebi sua mão retorcida pelo rigor mortis. Seus olhos estavam abertos e encaravam a cabeceira. Eu os fechei delicadamente. Apaguei o abajur. Me levantei e recolhi todos os apetrechos espalhados pelo chão. Conferi o que restou. Era suficiente até uma próxima parada. Eu falando sozinho. Enrolei tudo numa camisa velha que coloquei na mochila. Abri a janela e uma lufada de ar fresco entrou. Não fazia idéia de que horas eram, mas deduzi pelo vespertino. O sol brilhava em partículas, em ondas. Muitos pássaros voejavam ao redor de uma figueira frondosa como a longa cabeleira de uma mulher afogada. Debaixo do chuveiro talvez eu tenha chorado, não posso garantir. Lembro de ter pressionado minha cabeça com as duas mãos num grito mudo. O seu corpo enrijecido na cama. Os músculos pareciam mais soltos. O nó da existência desatado lentamente. Beijei seus lábios secos, a boca, seus seios. Senti vontade de abraçá-la, de fodê-la com toda raiva. Peguei as chaves ao lado cinzeiro de plástico derretido pelos cigarros esquecidos que transbordavam pelo criado-mudo. Da janela do segundo andar me apoiei de frente pra rodovia. Lancei meu corpo e aterrissei no cascalho. Meus sapatos esmerilhavam as pedras enquanto andava até o carro. Notei a TV acesa na recepção. Percebi a silhueta de dois homens no sofá. Entrei no carro e girei a chave. Saí de ré, suave, sem qualquer alarde. Minha síndrome de escapismo. Éden. Engatei a terceira numa curva acentuada. Nem percebi quando o motel sumiu no retrovisor. Eu não pensava em voltar para casa. A vida é uma puta.
Wednesday, November 28, 2012
numa pintura de Edward Hopper. num cisco no olho esquerdo. apoiado no balcão do bar com a cabeça rodeada pela fumaça azul de cigarro. meus cabelos envoltos. numa sala escura de um sobrado desleixado; a TV no mudo ilumina as almofadas manchadas de vomito. eu sou o sujeito que toca as cordas do violão com as unhas manchadas de nicotina. Jeff Buckley fuma ópio em algum lugar do planeta. em paisagens com posto de gasolina abandonado. no meu reflexo no pára-brisa rachado do carro. num continente de plástico. numa ilha. eu vejo Thelonious sozinho atrás do piano. eu ouço Magnólia Electric Co. cheio de afetação. eu me ceguei outro dia. cavei buracos em minhas pálpebras com uma colher. eu estava elétrico. algo coçava dentro do meu olho esquerdo.
Thursday, October 18, 2012
Inda bem que não é tarde demais para recuperar a merda toda. Eu sempre gritei pelo mesmo nome de mulher enquanto cambaleava por uma rua deserta com uma música dentro da cabeça. Talvez a mesma. Nunca enxerguei claramente. Hoje à noite tou à toa cheio de números e estampas pregados na carne. Sou um inseto numa calçada. O31789541376572984637. Eu fujo de terceira. Ricocheteio pelas paredes como um cupim que dança a valsa do idiota e mergulha numa lâmpada. Eu que sempre achei o céu brilhante demais pra mim. Hoje prefiro luzes elétricas e as sombras. Eu moro num canto famigerado da cidade. Mas frequento sempre a cloaca central. Lá me sinto tão confortável como quando estou sozinho trancado em casa. Cheio de eletricidade. Eu preciso da cidade. Tem vezes que eu dirijo por aí. Sempre pelos mesmos lugares. Os mesmos caminhos. Quando eu quero. Eu faço isso. E têm vezes também que eu misturo um monte de coisas e faço tudo ao mesmo tempo. Nas ruas e em casa. E foda-se se alguém acha isso errado. É tudo que tenho. As ruas e a minha casa. Nunca enxerguei claramente. Eu dirijo por aí. Eu não me importo de ouvir a mesma canção repetida um milhão de vezes dentro do carro, sem esperar ela acabar pra começar outra vez. Eu não espero acabar pra começar outra vez. Eu não espero acabar. A mesma merda de música. Acontece agora ainda. Isso sou eu. Um idiota quadrado. Razoavelmente. Bem melhor que você. Sujeito padrão que se acha o máximo. Não mexa comigo. Quando eu for para as montanhas poderemos viver numa boa. Não troca ideia comigo. Não existe nenhum jogo da minha parte. Apenas mantenha distância. Eu preciso da cidade para dançar minha última valsa idiota. Quando eu for pras montanhas então haverá paz.
Friday, September 07, 2012
"No primeiro romance de Gaddis, The Recognitions (1964), um personagem que fala com a voz do autor se lamenta: "o que ele querem do homem que não foram buscar em seu trabalho? O que esperam? O que restará quando ele terminar seu trabalho, o que é um artista além do resíduo do seu trabalho, os restos humanos que o perseguem?". Romancistas do pós-guerra como Gaddis e Pynchon e artistas do pós-guerra como Robert Frank responderam a essas questões de maneira diferente de Norman Mailer e Andy Warhol. Em 1954, antes que a televisão tivesse destronado o rádio como mídia dominante, Gaddis já dizia que não interessa quão sedutora e subversiva possa parece a autopromoção a curto prazo, pois o artista que realmente leva a sério resistência a uma cultura de imagens inautênticas destinadas ao mercado deve resistir a se tornar ele mesmo uma imagem, mesmo que ao preço de certa obscuridade.
Por muito tempo, seguindo o exemplo de Gaddis, fui intransigente e queria que meu trabalho falasse por si próprio. Não que eu fosse exatamente bombardeado por convites; mas me recusei a dar aulas, a fazer resenhas para o Times, a escrever sobre a escrita, a ir a festas. Falar de forma extrarromanesca numa era de personalidades me parecia uma traição; implicava na falta de fé na suficiência da ficção como meio de comunicação e autoexpressão, e portanto ajudaria, eu acreditava, a acelerar a debandada do público, que se afastaria do imaginado em direção ao literal. Eu tinha uma cosmologia de heróis silenciosos e traidores gregários.
O silencio, no entanto, é eficiente apenas se em algum lugar alguém esperar que sua voz seja alta. O silêncio nos anos 1990 parecia apenas a garantia de que eu estaria só. E no fim percebi que minha desesperança no romance era menos resultado da minha obsolescência que do meu isolamento. A depressão se apresenta como um realismo em relação à podridão do mundo em geral e à podridão da sua vida em particular. Mas o realismo é apenas uma máscara para a verdadeira essência da depressão, que é uma dolorosa alienação da humanidade. Quanto mais convencido estiver de que você é o único com acesso à podridão, mais medo terá de se relacionar com o mundo; e quanto menos se relacionar com o mundo, mais traiçoeiro parecerá o resto da humanidade sorridente, que continua a se relacionar com ele."
Jonathan Frazen, "Qual é a importância?", 1996
Sunday, July 29, 2012
a porra da geladeira chia na cozinha entulhada e a merda escorre e me exige um favor. onze da manhã e eu quero apenas ficar sozinho. caralho, é pedir demais. deve ser. jaula onde mora o homem-favor. outra vez. não vou gelar nem repetir a palavra não como um imbecil de 3 anos. anúncios tocam antes de qualquer música. eu vou repetir então, eu não aguento mais essa porra de merda. eu não gosto dessa cidade e quero que todos explodam. eu quero que todos se fodam. quero apenas ser deixado em paz. eu sou uma merda mole mas não sou pipoca murcha. e não tenho culpa se você não assume a graça de ser uma merda também. vamos morrer logo. esse é o único favor. vamos espancar a própria face e dormir desalentados e acordar num pesadelo. vamos cuspir na cara de deus. chutar seu saco de aço, de nuvem. foda-se a maternidade. o amor. a porra da amizade. foda-se sua família. a minha. foda-se. ouça a sirene. o chamado. o baque da guilhotina. esqueça a vaidade e o porra dos elogios. morra. antes de se tornar uma merda que torce para ser pisada. foda-se a porra das pessoas.
Tuesday, March 13, 2012
Houve uma época em que eu pensava que todo dia seria o último. Fazia um baita esforço para isso. Fazia questão de atropelar expectativas unânimes de abundância de prazer resolvido e pisava fundo na descarga da vida sem tirar os olhos da merda se desmanchando na centrífuga transparente. Achava tudo ridículo e pedante. Eu queria viver num buraco.
Mas sou selvagem.
Algo saído de um acidente. Ensopado de sangue.
Sou das ruas. Do asfalto. Do metal. Sou da cidade porca.
Minhas idéias não mudaram. Aprendi apenas que não adianta espernear nas ferragens. Tudo é ridículo e pedante. A verdade cansa. E todo dia é o último.
Sunday, February 19, 2012
Subscribe to:
Posts (Atom)