A viagem terminou e eu já voltei ao trabalho, à rotina e às velhas regras. Estou plenamente satisfeito aqui na escrivaninha, inclusive por não ter enfrentado grandes problemas na expedição e pelas paisagens e pelos pardieiros baratos de água morna e sabonetes com cheiro de cogumelos e pela falta do que pensar enquanto segurava firme a direção numa rota secundária sem caminhões lentos onde podia me ver lá de cima escutando Desmond Dekker no volume médio e você dormia ao meu lado. Gostei de assistir a quilometragem mudando mais que os ponteiros do relógio em seu giro preciso, não que a distância importasse, e sim porque o tempo havia perdido todo o significado. Sedativo, esse foi o efeito dessa viagem, onde idéias e pensamentos invadiam minha cabeça e não faziam sentido algum, escorrendo rumo ao esquecimento logo em seguida. A estrada acalma, ao contrário das cidades aglomeradas e cheias de semáforos e sinais e buzinas, limitando e alertando os sentidos. Evitamos as grandes cidades como crianças evitam o escuro. Consultando mapas, fugíamos de qualquer lugar com mais de 2000 habitantes, pulando de ponto em ponto. O povo argentino, ao contrário do que a imprensa esportiva e os comerciais de cerveja mostram, é atencioso e prestativo, sempre querendo ajudar e se oferecendo para mostrar o melhor caminho, a saída ideal. Creio que em Buenos Aires, assim como São Paulo, as pessoas sejam um pouco mais frescas e babaquinhas.
As Cordilherias são um cenário absurdo. Não posso acreditar que pessoas morram sem nunca terem passado por lá. Neguinho gasta uma fortuna para lamber o cu do Primeiro Mundo e esquece que aqui do lado têm muita coisa interessante e virgem para ser vista sem tanto desgaste. Não que o Chile seja hospitaleiro. Na fronteira com a Argentina cheguei a ponto de dizer ao fiscal que não precisava mais se preocupar que eu daria meia-volta, após ele dizer que faltava um documento dentre a penca de papéis solicitados. Notando nosso descaso, o babacão nos liberou. Mas isso não é nada comparado à imigração da fétida Londres – sem nunca desmerecer a cidade. Entretanto, o Chile tem a geografia muito diversificada em tão pouco espaço. É impressionante cruzar a enorme cadeia montanhosa e sair em pequenas estradas sem acostamentos, com suas cidades minúsculas cheias de carros antigos, tratores, cachorros em bando cheirando o próprio cu pelas ruas e mercadinhos com frutas em decomposição. Poucos quilômetros à frente, nos deparamos com o Pacífico espumando entre as pedras. Em um giro de pescoço e possível ver montanhas, o mar e um cenário campestre com gado pastando e casinhas de madeira em meio aos cactus.
Decidimos pelo Atacama chapados pela paisagem. Sem pestanejar dirigimos até o deserto. Uma viagem cansativa de 2 mil quilômetros, sendo que no final muita areia torna tudo um pouco cansativo e monótono. Só que tudo muda quando se chega à San Pedro do Atacama. Lá é possível descansar e conhecer muita coisa: O Vale da Lua, o Vale da Morte, Os Gêisers do Tatio, vulcões e muitas outras paisagens naturais.
Na volta seguimos pela parte norte das Cordilheiras, passando por lagos congelados e montanhas de areias e, assim, chegamos à Argentinas ao meio-dia do dia 23. Depois seguimos por estradas desertas, passando por uma salinas imensa e chegando à novas montanhas nas proximidades de Purmamarca, onde comemos. Seguimos para Jujuy e depois Salta, quando já era noite e, exaustos, não conseguimos encontrar um mísero quarto de hotel. Envolvidos num trânsito caótico, enquanto o cansaço moia os ombros e as costas e o sol se punha, desistimos de qualquer possibilidade de ficarmos lá e seguimos madrugada adentro pelas rodovias, parando num lugar que sequer lembro o nome, num hotel com o ar tão espesso que era possível enxerga-lo, com pulgas que roíam meus calcanhares e uma tv tão minúscula quanto meu polegar. No dia seguinte, dirigimos por 1300 quilometros tamanha era a vontade de encarar um fejãocarroz no Brasil. Chegamos em Foz do Iguaçu numa madrugada gelada, conseguimos um hotel podre, lotado de hermanos, onde a água era fria e nos fez amaldiçoar a pátria amada. No dia seguinte estávamos em São Paulo. Foram 9000 quilometros rodados e quase R$4000,00 reais gastos, incluindo tudo.
Durante a viagem, li o surpreendente “RUM”, de Hunther S. Thompson, que vai virar filme. É sempre bom ler esse maluco.
Li também “Matadouro 5”, de Kurt Vonnegut. Uma das coisas mais estranhas que já li em toda minha vida pela forma peculiar de contar a história de um soldado que esteve no Massacre de Dresden – um bombardeio das forças britânicas e americanas à uma cidade alemã que matou quase 200 mil pessoas - durante a Segunda Guerra Mundial. Tudo parece tão bobo e irritante e incômodo, numa intenção clara de atingir o leitor para temas sérios como a morte e a guerra. Não imagino como o autor conseguiu construir um livro como esse, com histórias dentro de histórias, personagens diversos e complexos e uma prosa fácil que flui pelos curtos capítulos.
Trilha perfeita da viagem:
- “Do You Want To Know A Secret” – The Beatles
- “C’mon Everybody” – Eddie Cochran
- “King of The Road” – Roger Miller
- “Up On The Roof” – The Drifters
- “Horses” - Bonnie ‘Prince’ Billie
- “Time Has Told Me” – Nick Drake
- “She Belongs To Me” – Bob Dylan
- “Get Rhythm” – Johnny Cash
- “Two Of Us” – The Beatles
- “High & Dry” – Radiohead
- “Don’t Be Shy” – Will Oldham
Monday, July 30, 2007
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