Uma mosca enorme voa ao redor da minha cabeça. O fedor que meu coração louco exala. Pela janela vejo um doido que vaga se esgoelando noite adentro no meio da rua; os carros desviam dele complacentemente. Os faróis brilhando no asfalto molhado. Sombras surgem e desaparecem nas paredes do meu apartamento, como alucinações de um drogado solitário em abstinência. No quarto ao lado, um pecador sem fé seca suas lágrimas sob a escuridão azul e oblíqua que precede o amanhecer, sentado no chão com uma arma carregada no colo, pensando em dar um tiro nos miolos. O grito do louco chama através dos trovões. Moradores de rua que esperam o juízo final nas margens lamacentas das sarjetas do centro. Aquela música que costumávamos cantar toca baixinho na vitrola com estalos em plic plocs. A mosca zumbe ao redor da minha cabeça. A agulha suja e empoeirada desliza sobre o vinil como um carro descontrolado numa curva molhada. Resolvo pegar minha garrafa de uísque e as chaves do Chevy. Já não me sinto tão mal. Tento apenas entender toda essa obsessão sinistra pela morte que os moradores dessa cidade compartilham em silêncio. Uma forma permanente de autodestruição, nos empurrando lentamente na direção da janela. Um abalo físico. Uma necessidade. O resultado é sempre dramático. Pessoas desconhecidas e repletas de fúria. Somos, provavelmente, mais perigosos para nós mesmos do que para os outros.
E vice versa.
Tuesday, March 02, 2010
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1 comment:
"Somos, provavelmente, mais perigosos para nós mesmos do que para os outros." Com certeza. Beijo.
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