Sunday, January 09, 2011

sem cercas

Após 5 noites em Palmas, estou de volta à Brasília, assado, cozidão, eu não vou mentir. Sem dúvida, é um dos lugares mais abafados que já pisei nesse Brasilzão de meu deus. Antes disso, encarei 800 km da Belém-Brasília, a tal da BR-153, rumo ao Tocantins. 2/3 do trajeto foram percorridos sob chuva torrencial, daquelas de dirigir com os dentes no volante, fora o spray que as filas de caminhões a serem ultrapassados jogavam na minha cara. O asfalto da rodovia até que é aceitável, no entanto, a quantidade de caminhões e carros lentos apelam contra a paciência e os músculos das costas, ou os nervos, sei lá. Alimenta.
Palmas é uma cidade pacata, pode-se dizer assim, pouco mais de 200 mil habitantes; planejada, plana como um tabuleiro de dama dividido por ruas largas de sarjeta pintada e "queijinhos" que demarcam quadras. O calor é implacável, capaz de causar alucinações em forasteiros. Coisas como besouros no couro cabeludo. Eu me sentia um calango vermelho do faroeste sibilando sob o sol do meio-dia. Para refrescar era necessário muita cerveja em goles vigorosos e chuveiradas no quintal da casa do Mitia, ou então mergulhos na Praia do Prata, nas beiradas do Lago de Palmas, um piscinão da porra, do mijo, formado pelas águas represadas do belo rio Tocantins. O lago é repleto de piranhas famintas a procura de um calcanhar liso. Presenciamos um ataque desses num fim de tarde. A pobre piranha arrancou um naco do dedão do pé de um moleque. Ele se esgoelou sob o pôr do sol alaranjado do Brasil central. Seus gritos se misturaram com a música breganeja que saia a todo volume das caixas de som. A praia esvaziou em questão de segundos, com pais e sua renca de filhos assustados nos braços e mulheres que pulavam na água sacudindo os peitões. Foi demais.
Durante a semana visitamos Taquaralto e Taquaruçu, cidades minúsculas com muitas quedas d'água impressionantes. O grande problema era carregar o isopor de breja pelas trilhas, mas tudo melhorava quando surgia uma cachoeira no meio das árvores. Fui bancar o machão debaixo de uma queda de 23 metros e quase desloquei meu ombro com a força da água. A natureza é muito poderosa, mas as muriçocas sempre vencem.
À noite a cidade dorme. Em alguns locais é possível encontrar trailers de lanches ou um bar aberto, onde um sujeito toca violão e canta Alcione no microfone, casais evitam se encostar por causa do calor. Havia um risca-faca na Asa Norte onde a gente jogava sinuca eventualmente. Sentia que o pau podia comer solto a qualquer instante. Na sexta-feira, fomos ao que diziam ser o lugar mais barra-pesada da cidade, nas margens da Praia da Graciosa. Lá dezenas de carros com aparelhagens de som de potência sônica, de cores berrantes e iluminação néon, disparavam funk carioca numa altura considerável. Cada carro com sua trilha. Jovens jumas marruás e marmanjões pirulões dançavam como Sheila Mello em seus dias de glória nas tardes dominicais. Confesso que a juventude de hoje em dia me assusta. Mesmo assim, tive acessos de riso etílicos com meus amigos.
Ontem dirigi 850 quilometros através da rodovia Coluna Prestes. Sozinho. Na pegada louca. Cinco minutos antes de sair da capital tocantinense, decidi mudar minha rota e não me arrependi. Com o pavimento impecável até a divisa com Goiás, a rodovia é uma das mais bonitas que já percorri. Pouco movimentada, ela atravessa o interior de diversas chapadas, como a Chapada da Natividade e a Chapada dos Veadeiros, além do que, em determinado ponto, é possível pegar uma estrada de terra que leva à Chapada Diamantina. Cheguei a ficar quase uma hora sem cruzar com nenhum veículo. Às vezes parava para mijar no acostamento e me sentia insignificante entre cadeias de montanhas chocantes e vastos campos resplandecentes cobertos pelo cerrado. É difícil explicar o fascínio que essa estrada exerceu sobre mim. Existe algo de hostil ali, nada a ver com curvas mal desenhadas, caminhoneiros sonolentos ou cavalos distraídos, aquele lugar me parecia ideal para morrer. Você não entenderia.

***
Amanhã puxo o carro e volto para São Paulo. A metrópole tóxica. Espero chegar a tempo de tomar uma gelada com os amigos no Mercearia.

2 comments:

narrador said...

On the road

ninguem said...

Sangue na faquinha!