Thursday, December 26, 2013

cadeira

deixei spdrama pra trás no começo da madrugada de ontem. a fernão dias escontrava-se movimentada e fluindo como um multiball numa máquina da pinball. caminhonetes e palios surgiam ao redor da minha barca, que tem som estéreo agora, e meus ouvidos estão zunindo como uma pancada num nervo. percebo isso deitado com o peito cheio de catarro na cama do sítio; a janela escancarada por onde entra a luz do sol matutino e as moscas graúdas e ruidosas que brotam no riacho que corre ao lado. estou me procurando nesse primeiro dia de estrada. estava tão ansioso pra isso que hoje acordei aqui na divisa de estado SP/MG e me senti extremamente melancólico. o trajeto de carro ontem foi realmente muito curto. sequer tive certeza que estava mesmo numa BR. tudo ao redor de são paulo ainda parece são paulo. você precisa rodar pelo menos 300km para estar livre da teia da cidade monstra. minha insatisfação com a decadência e o obscurecimento do meu espírito já vinha me atormentando desde a metade do ano. a vontade de cair fora começou a incomodar com uma paranóia. eu vou cair fora, eu pensava todo dia enquanto voltava pra casa transtornado no começo da manhã. Ficar longe durante um breve período para procurar algo que eu nem mesmo sei se ainda existe. esfregar toda sujeira que está incrustada em minha alma. anúncios de outros mundos. Alguns chamam isso de férias. Tá mais pra trégua, distanciamento voluntário. Não sei se preciso enfrentar algo ou me tornar um fugitivo das trevas interiores, à vontade para tomar decisões arriscadas. Quero mais é que tudo se foda lentamente. Tenho apenas a certeza que preciso atravessar estradas secundárias através do nordeste árido brasileiro, onde as árvores são mortas e o asfalto esfarela como uma casca ressequida, até chegar a porra do litoral, onde eu possa me refestelar com muita muita coisa da pesada. Porque a vida deve ser da pesada. a estrada. Um lugar onde eu posso me tornar uma pessoa pior por opção, não por uma necessidade intoxicante. Um lugar sob um céu bravo e o vento que sopra a favor. Onde os caminhões soam como o arroto de deuses. Uma rota com curvas ameaçadoras. Uma música alta nos falantes. Pra depois fugir de novo com meu pé de chumbo no acelerador e um cigarro na canhota. Deixo o mundo me esquecer um pouco. Sei que existe um destino me esperando, mas eu não me importo, pois eu minto, como agora, e eu mudo de planos em qualquer encruzilhada. Quero apenas enfrentar a estrada, o incógnito, a solidão onde começa a vida e onde surge a morte. Eu volto depois. Ou não.

Friday, September 20, 2013

a conta

Um prato cheio de sangue. O mapa de carne crua num planeta de louça branca. Os dentes que dilaceram a fúria de estar com uma garota aprisionada na tela do celular. A valsa solitária do garçom. O tilintar oco submerso de talheres mal afiados. O uivo silencioso do animal morto com uma toalha no colo. Alimento com espinhas que matam o que alimenta.

Monday, September 16, 2013

caixa de sapatos #31

me interesso em saber o número de vítimas de uma tragédia. gosto de ver os familiares de pijamas e suas fotografias em alta resolução com olhos vermelhos e suas bocarras murchas e suas obturações. prefiro celebridades que ganham peso após embucharem. gosto de saber sobre acidentes de trânsito fatais. gosto de ver as fotos. rebeliões em presídios com reféns decapitados e colchões em chamas. gosto do incêndio e suas labaredas. o cheiro de cabelo queimado. acidentes de avião. gosto de ver notícias sobre pessoas sendo enxotadas de suas casas na espanha. tiroteios em escolas primàrias. me lambuso de prazer quando algum atleta mata sua namorada por ciúme. não me reconheço de tanta alegria com atropelamentos e suicídios. velhos esquecidos em bancos de praça. rio dos alertas do dr. dráuzio varela. assisto assassinatos. programas evangélicos com pastores milionários rindo e gesticulando para um bando de fiéis que pedem para levar em seus roscofes sagrados. chacinas em bodegas de periferia. blitz efetivas. coletivos carbonizados. fartura na cracolândia. violência e misérias. doenças venéreas. rios entupidos de merda e produtos químicos e pneus. visualizo sua mãe de quatro cheia de varizes e manias de excesso de realidade e ansiolíticos e fico de pau duro. ataques do coração durante anestesias em clínicas de lipoaspiração. nada me diverte mais do que ver os outros se foderem com tacos e crânios esmagados em estádios de futebol. cachorros de celebridades mortos. famílias desestruturadas. deslizamentos e enchentes. falta de vagas em hospitais. comerciais da tim e da brahma com gente bonita e depilada definitivamente. tombos e estabacos. espancamentos desleais e tortura. agressões homofóbicas na avenida paulista. travestis desfigurados e prostitutas infectadas espalhando vírus. claudia leite. ciclistas de capacete impressos no asfalto. silicones que explodem em silêncio. políticos de terno no verão achando tudo normal. gente legal que não dá certo. germes e berrugas protuberantes. pombos aleijados. cheiro de mijo nas ruas. aguardo ansiosamente por acidentes. sangue fresco. venero a morte. gosto de me imaginar flutuando nela de braços abertos num córrego canalizado. a glória de hoje é assistir à derrota. que se foda bastante e que minhas palmas soem como uma tempestade de granizo num telhado de amianto.

Tuesday, September 03, 2013

any way you choose me we won't be long

"Você sabia como eu me sentia quando fechava a porta do quarto num domingo qualquer. Quando o tempo escorria e girava na sala com o televisor ligado no programa razoável da emissora mor. Enquanto vocês riam do apresentador e suas tiradas. Você sabia como eu me suportava. Eu sou você com outro nome. Até os 14 anos eu me esforcei para ser a pessoa mais desprezível daquele terreno baldio. Ali ninguém me viu dormir encolhido como um pacote numa sombra. Mas você percebia através da sua indiferença que eu morria devagar. Descobri substâncias que acalentavam a minha fúria de existir em lugares onde não deveria estar. Talvez isso fosse um alívio pra você. Eu e meu chiado asmático desafinado. Meu grito inflamável entupido através da noite, esperando pelo seu colo na escada de concreto de escola estadual Eu nunca dormi, mãe. Sempre esperei teu amparo. Eu vi você ir embora. Sempre tive medo e vergonha de admitir ser o que eu sou. O cansaço sempre foi meu estado natural. Meu vício. Uma maneira de me gastar mais depressa para desaparecer antes. Sozinho em tardes secas. Todas as vezes que eu praguejava seu nome em manhãs cinzas eu gritava de pavor. Todas as vezes que eu fugia e procurava amigos que não existiam era uma forma de tentar te encontrar. O desespero pueril de apagar antes de explodir. Eu andava por aí apalpando muros rebocados. Eu sabia no que você pensava: em nada. Éramos tão estranhos. Mas você se vingava. Eu não te conheço apesar de ter sido cuspido do seu ventre. Fui esfregado no cascalho apenas para escutar à verdade de ter sido um acidente que insistia em continuar acontecendo. Eu ainda posso sentir o cheiro daquelas manhãs. Quando ficar na fila da matrícula era algo para ser lamentado em almoços e almoços e almoços. Como deve ter sido difícil. Conceber algo que deveria ter sido expectorado. Uma farsa. Placenta de plástico. Uma charada. Uma vergonha. O garoto nada. Que roubava da sua própria carteira. Que atrapalhava o sossego de quem chegava cansado em casa. De quem chegava em casa. Eu sentia muito medo de quem chegava em casa e vinha em minha direção. Ao contrário dos seus cachorros dóceis, eu não fazia festa quando você chegava em casa. Eu esperava seu vacilo para te roubar. Eu sou um monte de raiva. Um sujeito que usa o amor como se assoasse o nariz num guardanapo transparente de televisão de boteco. Que se apega ao desespero apenas para estilhaçar tudo no final. Eu sou a pessoa que odeia fazer as coisas que gosta. Eu sou a coisa. Que nasceu e cresceu e agora derrete e se olha no reflexo das coisas brilham e se lembra de tudo. Da ausência. Eu sinto esse frio de quem rouba e escapa e que fica drogado e cheio de febre sexual e já não tem mais medo e que não vai mais voltar pra casa e que vai morrer sozinho com os dentes intactos" Lou Barry

Saturday, December 22, 2012

por mais que eu fuja das sombras dos prédios, tudo termina num beco sem saída. numa nuvem escurecida pela nostalgia. na cidade que tem o poder de esmagar um homem que cultiva o ontem, salto no abismo. não me lembro onde tudo isso começou. As mentiras brutais. meus amigos nunca me abandonaram. nem mesmo quando desabei. tem vez que a gente se coíbe. Esse lado obscuro que apenas àqueles que enxergam os ninhos do embuste percebem. o lado perdido. O engano da massa ruminante ávida por sangue coalhado. quando minha origem é um grupo de suicidas massacrados que flutuam de braços abertos num córrego canalizado que escorre rumo à periferia da alma. prefiro a companhia desses fantasmas à falta de sonhos. o fim de tarde sangrento e o trafego nas avenidas principais. o céu nublado torna-se noite. e seguimos. fluímos. em sombras melancólicas. a triste beleza. a calamidade eterna como opção. o nojo da sociabilidade. ando melancólico. vago pelas ruas sozinho numa fusão sofisticada de belos sentimentos contraditórios e profundos. idolatro minha dor. uma mágoa doce. tento prolongá-la. demoro dentro dela. respiro melancolia nesses dias de furacão. e cavo em silêncio o abismo que existe entre mim e a pessoa amada.

Saturday, December 08, 2012

Nessa síndrome de escapismo aceleramos pelas rodovias federais durante 21 horas seguidas. Eu não fazia idéia. Eram cânions. Era o norte. Foda-se. Era ali. Seus olhos em minha cabeça. O melhor hotel barato. Era o posto de gasolina amigável com cerveja gelada. Era calor pra caralho e você bêbada rindo de longe. Depois era onde entrei com o carro no estacionamento de cascalho fino de um motel esmagado pelas intempéries do tempo. Eu tinha uns pensamentos ruins. Meus olhos latejavam dentro da minha caveira e meus dedos estavam rijos de tanto pressionar o arco do volante. Já era noite havia muito tempo. A chuva martelava o teto do carro. Eu tinha uns pensamentos que queria dividir com você. Eu parei o carro e você abriu a porta para mandar um jorro fino de vomito no chão. Fiquei assistindo as gotas da chuva atingindo os cabelos desgrenhados da sua nuca. Você reclamou da náusea sacudindo as mãos como uma mímica. Bebeu mais um gole da garrafa. Na recepção, dois sujeitos assistiam à programação noturna dos canais abertos da televisão. Um deles, prateado, pareceu não nos notar, mas o segundo se levantou e veio nos cumprimentar. Era um senhor magro de sotaque forte. Imaginei que devíamos estar perto do Pará. Queremos um quarto. Precisamos de um quarto e de um chuveiro, você disse. Completamente linda e transtornada. Podem escolher, tem ninguém aqui faz mais de duas semanas, disse ele. Nem amigos passam por aqui mais, completou. Escolhemos um apartamento encardido no fim do corredor do segundo andar. Parecia longe. Talvez o mais distante da recepção. Parecia nosso. Pagamos quatro dias, à vista. Não perguntei sobre o café da manhã. A janela emoldurava a rodovia. O letreiro de neon projetava sua luz azulada. A cama de madeira estava feita. A colcha de retalhos cobria um colchão magro. A televisão de 14 polegadas pendia no suporte ao lado da porta do banheiro. Uma mesa e uma cadeira estavam dispostas próximas à janela. Você correu para o banheiro e fechou a porta. Eu acendi um cigarro e fiquei assistindo a chuva cair no estacionamento. Pelo cone formado pela luz do poste eu podia ver as gotas cintilando como laminas de cristal. Liguei a TV e tirei meus sapatos encharcados. Nessa sua síndrome de escapismo você sequer notava minha presença. Deitei minha cabeça no travesseiro e dormi. Eu queria sonhar com Éden, um lugar onde os rios não fossem de asfalto. Onde o amor nunca morre. Onde o peito não explode. Quando acordei tudo estava vazio. Senti falta de casa. Vi seu corpo esparramado no canto da cama. O letreiro de neon piscando sobre suas veias aniquiladas. Sua boca semiaberta com um cigarro pendendo pregado com baba seca no lábio inferior. Peguei seu braço esquerdo e percebi sua mão retorcida pelo rigor mortis. Seus olhos estavam abertos e encaravam a cabeceira. Eu os fechei delicadamente. Apaguei o abajur. Me levantei e recolhi todos os apetrechos espalhados pelo chão. Conferi o que restou. Era suficiente até uma próxima parada. Eu falando sozinho. Enrolei tudo numa camisa velha que coloquei na mochila. Abri a janela e uma lufada de ar fresco entrou. Não fazia idéia de que horas eram, mas deduzi pelo vespertino. O sol brilhava em partículas, em ondas. Muitos pássaros voejavam ao redor de uma figueira frondosa como a longa cabeleira de uma mulher afogada. Debaixo do chuveiro talvez eu tenha chorado, não posso garantir. Lembro de ter pressionado minha cabeça com as duas mãos num grito mudo. O seu corpo enrijecido na cama. Os músculos pareciam mais soltos. O nó da existência desatado lentamente. Beijei seus lábios secos, a boca, seus seios. Senti vontade de abraçá-la, de fodê-la com toda raiva. Peguei as chaves ao lado cinzeiro de plástico derretido pelos cigarros esquecidos que transbordavam pelo criado-mudo. Da janela do segundo andar me apoiei de frente pra rodovia. Lancei meu corpo e aterrissei no cascalho. Meus sapatos esmerilhavam as pedras enquanto andava até o carro. Notei a TV acesa na recepção. Percebi a silhueta de dois homens no sofá. Entrei no carro e girei a chave. Saí de ré, suave, sem qualquer alarde. Minha síndrome de escapismo. Éden. Engatei a terceira numa curva acentuada. Nem percebi quando o motel sumiu no retrovisor. Eu não pensava em voltar para casa. A vida é uma puta.

Wednesday, November 28, 2012

numa pintura de Edward Hopper. num cisco no olho esquerdo. apoiado no balcão do bar com a cabeça rodeada pela fumaça azul de cigarro. meus cabelos envoltos. numa sala escura de um sobrado desleixado; a TV no mudo ilumina as almofadas manchadas de vomito. eu sou o sujeito que toca as cordas do violão com as unhas manchadas de nicotina. Jeff Buckley fuma ópio em algum lugar do planeta. em paisagens com posto de gasolina abandonado. no meu reflexo no pára-brisa rachado do carro. num continente de plástico. numa ilha. eu vejo Thelonious sozinho atrás do piano. eu ouço Magnólia Electric Co. cheio de afetação. eu me ceguei outro dia. cavei buracos em minhas pálpebras com uma colher. eu estava elétrico. algo coçava dentro do meu olho esquerdo.

Thursday, October 18, 2012

Inda bem que não é tarde demais para recuperar a merda toda. Eu sempre gritei pelo mesmo nome de mulher enquanto cambaleava por uma rua deserta com uma música dentro da cabeça. Talvez a mesma. Nunca enxerguei claramente. Hoje à noite tou à toa cheio de números e estampas pregados na carne. Sou um inseto numa calçada. O31789541376572984637. Eu fujo de terceira. Ricocheteio pelas paredes como um cupim que dança a valsa do idiota e mergulha numa lâmpada. Eu que sempre achei o céu brilhante demais pra mim. Hoje prefiro luzes elétricas e as sombras. Eu moro num canto famigerado da cidade. Mas frequento sempre a cloaca central. Lá me sinto tão confortável como quando estou sozinho trancado em casa. Cheio de eletricidade. Eu preciso da cidade. Tem vezes que eu dirijo por aí. Sempre pelos mesmos lugares. Os mesmos caminhos. Quando eu quero. Eu faço isso. E têm vezes também que eu misturo um monte de coisas e faço tudo ao mesmo tempo. Nas ruas e em casa. E foda-se se alguém acha isso errado. É tudo que tenho. As ruas e a minha casa. Nunca enxerguei claramente. Eu dirijo por aí. Eu não me importo de ouvir a mesma canção repetida um milhão de vezes dentro do carro, sem esperar ela acabar pra começar outra vez. Eu não espero acabar pra começar outra vez. Eu não espero acabar. A mesma merda de música. Acontece agora ainda. Isso sou eu. Um idiota quadrado. Razoavelmente. Bem melhor que você. Sujeito padrão que se acha o máximo. Não mexa comigo. Quando eu for para as montanhas poderemos viver numa boa. Não troca ideia comigo. Não existe nenhum jogo da minha parte. Apenas mantenha distância. Eu preciso da cidade para dançar minha última valsa idiota. Quando eu for pras montanhas então haverá paz.

Friday, September 07, 2012

"No primeiro romance de Gaddis, The Recognitions (1964), um personagem que fala com a voz do autor se lamenta: "o que ele querem do homem que não foram buscar em seu trabalho? O que esperam? O que restará quando ele terminar seu trabalho, o que é um artista além do resíduo do seu trabalho, os restos humanos que o perseguem?". Romancistas do pós-guerra como Gaddis e Pynchon e artistas do pós-guerra como Robert Frank responderam a essas questões de maneira diferente de Norman Mailer e Andy Warhol. Em 1954, antes que a televisão tivesse destronado o rádio como mídia dominante, Gaddis já dizia que não interessa quão sedutora e subversiva possa parece a autopromoção a curto prazo, pois o artista que realmente leva a sério resistência a uma cultura de imagens inautênticas destinadas ao mercado deve resistir a se tornar ele mesmo uma imagem, mesmo que ao preço de certa obscuridade. Por muito tempo, seguindo o exemplo de Gaddis, fui intransigente e queria que meu trabalho falasse por si próprio. Não que eu fosse exatamente bombardeado por convites; mas me recusei a dar aulas, a fazer resenhas para o Times, a escrever sobre a escrita, a ir a festas. Falar de forma extrarromanesca numa era de personalidades me parecia uma traição; implicava na falta de fé na suficiência da ficção como meio de comunicação e autoexpressão, e portanto ajudaria, eu acreditava, a acelerar a debandada do público, que se afastaria do imaginado em direção ao literal. Eu tinha uma cosmologia de heróis silenciosos e traidores gregários. O silencio, no entanto, é eficiente apenas se em algum lugar alguém esperar que sua voz seja alta. O silêncio nos anos 1990 parecia apenas a garantia de que eu estaria só. E no fim percebi que minha desesperança no romance era menos resultado da minha obsolescência que do meu isolamento. A depressão se apresenta como um realismo em relação à podridão do mundo em geral e à podridão da sua vida em particular. Mas o realismo é apenas uma máscara para a verdadeira essência da depressão, que é uma dolorosa alienação da humanidade. Quanto mais convencido estiver de que você é o único com acesso à podridão, mais medo terá de se relacionar com o mundo; e quanto menos se relacionar com o mundo, mais traiçoeiro  parecerá o resto da humanidade sorridente, que continua a se relacionar com ele." Jonathan Frazen, "Qual é a importância?", 1996

Sunday, July 29, 2012

a porra da geladeira chia na cozinha entulhada e a merda escorre e me exige um favor. onze da manhã e eu quero apenas ficar sozinho. caralho, é pedir demais. deve ser. jaula onde mora o homem-favor. outra vez. não vou gelar nem repetir a palavra não como um imbecil de 3 anos. anúncios tocam antes de qualquer música. eu vou repetir então, eu não aguento mais essa porra de merda. eu não gosto dessa cidade e quero que todos explodam. eu quero que todos se fodam. quero apenas ser deixado em paz. eu sou uma merda mole mas não sou pipoca murcha. e não tenho culpa se você não assume a graça de ser uma merda também. vamos morrer logo. esse é o único favor. vamos espancar a própria face e dormir desalentados e acordar num pesadelo. vamos cuspir na cara de deus. chutar seu saco de aço, de nuvem. foda-se a maternidade. o amor. a porra da amizade. foda-se sua família. a minha. foda-se. ouça a sirene. o chamado. o baque da guilhotina. esqueça a vaidade e o porra dos elogios. morra. antes de se tornar uma merda que torce para ser pisada. foda-se a porra das pessoas.

Tuesday, March 13, 2012

Houve uma época em que eu pensava que todo dia seria o último. Fazia um baita esforço para isso. Fazia questão de atropelar expectativas unânimes de abundância de prazer resolvido e pisava fundo na descarga da vida sem tirar os olhos da merda se desmanchando na centrífuga transparente. Achava tudo ridículo e pedante. Eu queria viver num buraco. Mas sou selvagem. Algo saído de um acidente. Ensopado de sangue. Sou das ruas. Do asfalto. Do metal. Sou da cidade porca. Minhas idéias não mudaram. Aprendi apenas que não adianta espernear nas ferragens. Tudo é ridículo e pedante. A verdade cansa. E todo dia é o último.

Sunday, February 19, 2012

sem chance.

Monday, October 03, 2011

medicina

Estou inchado como um barril. Um saco murcho de arrotos. Sinto dores desde o pescoço até o fim das costas – não, a bunda não dói, ainda. Minhas costas doem, desde a rebarba do pescoço até o quadril, do lado esquerdo. Sinto que minhas vértebras estão soltas numa sopa espessa de entranhas e líquidos quentes e impregnados de sangue, álcool e bosta. Ela não me dá trégua. Como um carcereiro sádico que me lembra o tempo todo, do fundo da luz no fim do túnel, que a chapa vai esquentar, parceiro. Tento permanecer chapado. Mover apenas o olhar. Rapid eye moviment. Tudo pareceria um sonho não fossem as porra das dores. O mundo me enchendo o saco o dia inteiro e minha cabeça tranqüila. Kill the body and the head Will die. Há pouco tempo atrás poderia socar paredes até jorrarem sangue nos meus olhos. Hoje preciso de analgésicos.

Sunday, October 02, 2011

às vezes a insônia me acerta aqui. pressiono a caneta no papel como se tentasse talhar algo. até que minhas costas doem. um torcicolo anda me limitando levemente o lado esquerdo. coisa leve. fora isso, nada mais me acomete. a vida corre calma lá fora. um bêbado ecoa uma velha canção nessa língua estranha. escuto um salto alto estalar sobre o pavimento e desaparecer lentamente. a madrugada aqui é silenciosa. um carro de bombeiros às vezes soa na esquina. acho que ele toca a sirene apenas para alertar carros que vêm no sentido contrário. fico na janela até a silhueta das árvores do parque do outro lado da avenida começarem a aparecer. sei que logo mais volto pra olho do furacão, pro cheiro da gasolina. sei que o silêncio vai ser dilacerado por um serra furiosa. talvez seja por isso que eu não queira dormir ainda.

Sunday, September 25, 2011

sou um forasteiro. por enquanto. sou um estranho analfabeto numa cidade turística. titubeio nas palavras. cacarejo. melhoro com cervejas de teor alcoólico mais elevado. mas aí fico calado, olhando as pessoas nas ruas. me pergunto o quê posso fazer pelo resto dos meus dias. estou aqui há 26 dias. dias que escorrem lentamente sem a menor pressa, como a brisa que sopra em silêncio no parque carpido. alguns amigos e irmãos aparecem e vão embora. sinto algo estranho quando isso acontece, algo como uma certa saudade por pessoas que nunca conheci direito.

Wednesday, June 15, 2011

Deserdado

Sempre dirijo por aí. Já cruzei as fronteiras sobre quatro rodas umas 5 vezes, talvez seis. Geralmente de madrugada, quando a segurança é falha ou inexistente. Sempre sozinho, no volante, os olhos atentos tanto na pista quanto nos retrovisores. O rádio sintonizado numa estação AM cheia de ecos, onde o locutor de voz grave e cheia de drama conta causos de famílias de cidades do interior do Rio Grande do Sul. Faz muito frio por aqui nessa época do ano. E não posso me encolher. Estou cada vez mais longe. Isso tudo talvez seja para encontrar um caminho. Quando o sono me alcança, geralmente à noite, quando meus olhos e joelhos e juntas cansam, quando a fadiga de pilotar domina, procuro algum matagal e me embrenho com a barca. No meio da escuridão, de vez em quando alumiado pela luz prateada da Lua e das constelações. Desço do carro e levanto a vegetação amassada ao redor, apago meus rastros, sob o vasto manto negro do céu. Pego minha lanterna, um cobertor cinza felpudo e meu fogareiro de acampamento. Posiciono minhas coisas, acendo o fogo, despejo água numa lata de metal que coloco para ferver; abro a porta traseira do lado do motorista para proteger o fogo do vento frio e seco de outono e fumo um cigarro. Escuto o som da brasa queimando o papel. O som de grilos e imensos besouros voando que zunem ao redor. Caminhões eventualmente sibilam na rodovia. Depois de ferver a água, a despejo num copo plástico de macarrão instantâneo e o que sobra numa caneca com café solúvel. Abro o livro e leio enquanto o macarrão amolece. Após meu jantar, caminho em volta do carro e confiro se posso ser visto da rodovia, quando tenho certeza de que estou seguro, deito no banco traseiro, travo as portas e me cubro. Me sinto dentro de um casulo enquanto o mundo imenso e aterrorizante gira lá fora. Ali no banco de trás do carro, uso a mochila de travesseiro, minhas pernas ficam dobradas para que meu corpo possa caber. Penso em me masturbar, mas algo implacável cresce dentro do peito, como uma solidão completamente sem sentido, afinal de contas, fiz minhas escolhas, e não adianta esperar que o céu caia sobre minha cabeça. O vento sopra lá fora. Me encolho como se quisesse segurar a alma. Os bancos da frente servem como grandes cortinas de couro, como uma tampa que me esconde. Deixo o relógio no assoalho com o despertador engatilhado para antes do amanhecer, o que deve acontecer em menos de 3 horas. O revolver repousa logo ao lado. Preciso me garantir, se eles me alcançarem, me entrego morto. Sinto algo me abraçar. Acho que vejo anjos brilhantes. Eles vieram cantar uma canção para mim.

Thursday, April 21, 2011

faz tempo que não dou um tapa nessa merda. nem um pouco lunático. tampouco cachorro atropelado. eu gosto desses períodos de ostracismo. de amaciar a cachola com um martelo de bife. ando saudável e com o cabelo ruim. só vim aqui dizer que meu time ganhou ontem e eu tô feliz.

Monday, January 31, 2011

ramones

as pessoas são estúpidas como nunca vi antes
eu não dou meia merda
as pessoas são estúpidas e acreditam no razoável
dançam em chuveiros quando estão com saudade
os estúpidos nunca dizem como realmente se sentem
mas você... pelo jeito

e os estúpidos que explodem contra o muro e pingam dos olhos
e todos os mortos que não conheci direito e que falam baixo
e todos os imbecis que falam
todos esses
eles vem e vão
e vivem
falam
e não dão em merda nenhuma

eles passam - eles
mudam e sobrevivem
eu não
eu nunca
nunca sinto tanto

Sunday, January 16, 2011

eu me embrenho por aí, vezenquando. passeio pela nova cidade enterrada, sem elos ou pontes, cheia de regras e preços e filas que todos obedecem complacentemente. ando desgarrado por aí, pelo menos tento, embora não consiga. existe algo de grotesco e oligofrênico crescendo nas grandes metrópoles, na vida exposta civilizada e ultra conectada, disponível e sem mistérios. se antes éramos selvagens, hoje somos todos carentes na textura e na substância, nas dependências amorfas do ego. vendidos, com a justificativa perfurada de que é preciso sobreviver, crescer e se prostituir em nome da opinião alheia. não temos espinha dorsal, somos curvados como vacas bêbadas mascando grama numa ladeira. mal educados pelo medo de perder para o próximo ou ser deixado de canto. Cheios de compaixão e solidariedade nas horas cômodas; aquela atenção e eloquência para assuntos banais que mentes mutiladas encontram e fingem entender. reciclagem de restos. não perceber o fim da linha. julgar os outros por aquilo que você também faz nas profundezas dos panos. hoje, a honra é medida pelo quanto se pode receber. velhice, erros e decandência não fazem mais parte dos planos. bem, eu ando por aí, e eles me dizem, adapte-se, aceite, chegou a hora, afinal. pare enquanto é tempo. prefiro morrer mesmo, pisar fundo, a existir de joelhos. crio minha vida num terrível drama. é uma opção pessoal. quero me foder à toa. já que a cada dia que vivo mais, morro menos.

Saturday, January 15, 2011

Subo as ladeiras de pedras e desvio de todos os olhos de serpente apenas para conversar, na praça central, com o velho das orelhas negras que ainda usa esporas nas botas. O sino da igreja toca cinco vezes e o calor seca nossas carcaças como a dos calangos que caminham pelos blocos de rocha que brotam da terra ao redor da cidade. As coisas poderiam ser melhores, é o que ele diz, para todo mundo nesse arraial. Conversamos até as luzes dos postes se acenderem. Eu aposto meus anseios e atiro cascalho na fonte desativada. Posso provar que não sou um idiota se a estrada me deixar partir para nunca mais voltar. Quero estar dentro da tempestade quando o fogo sair da sua respiração. Tudo é adeus quando se está de passagem.