Thursday, January 31, 2008

Sempre aparece em casa e sobe sem interfonar fumando no elevador. Quando abro a porta, entra sem me olhar. Sequer um oi. Só uma fumacinha pelo canto da boca. Caminha até a geladeira e reclama pela falta etílica. Nem respondo. Só aperto sua bundinha magra e cheiro seu cabelo escuro e seboso como pêlo de vira-lata. Na janela arremessa a bituca para depois cuspir. Daí fica apoiada com a bunda empinada e solta um comentário impertinente sobre a cidade, sobre a decadência da noite. Mameluca safada, sabe que gosto das curvas das suas costas contra o reflexo das luzes lá de fora. Você é a desgraça em mulher. Já colocou um monte de filhotes da burguesia na droga. Já entregou traficantes para apodrecerem com as suas dívidas. Já me ameaçou com uma faca e tomou uma surra e sempre lembra disso rindo. Respira fundo e me encara e desvia rapidamente o olhar. É tímida e disfarça. Aqui você não engana ninguém. Vamos ouvir um disco do Bo Diddley, eu digo. Ah, você quer cerveja? Então eu abro a carteira e tiro dez contos e lhe entrego. Ligeira pega a grana e se vira rebolando com um sorriso oferecido e satisfeito no rosto e fala que vai até a pizzaria pegar umas latinhas pra gente. Enfio a mão dentro de suas calças e esfrego na sua pele macia como de uma criança. Leite dáveia davene, você sempre diz. Você se vira e me encara de novo. Olho no olho. Um cheiro de cigarro. E esses peitinhos? Putinha barata. Da janela vejo você acenar para o pessoal da pizzaria e atravessar a rua entre os carros no congestionamento da Augusta. Desaparece com minha última nota e não volta mais. Eu já sabia.

Tuesday, January 29, 2008

http://www.woostercollective.com
prometi que começaria a semana direito.

começo com isso, então. coloco no som. não dá pra abrir o vidro do carro, aproveito e aumento. uma dona ao meu lado, num desses jipes novos todo panca, não entende nada. tudo embaçado que nem uma nuvem. penso em acender um cigarro. abro o vidro. entra a chuva e tudo, os barulhos da rua se misturam com Chuck. mordo o crivo e mando um sorriso pra dona. prometi que começaria a semana direito. tá tudo parado. o pedinte aleijado aparece e faz uma dancinha firmeza, mexendo a única perna que tem como uma minhoca, depois apóia os suvacos nas muletas e bate palmas mostrando os dentes num sorrisão. saco um cigarro e lhe entrego. Chuck Berry é foda.



Eu gosto quando chove em São Paulo.





01 Memphis, Tennessee [2.11]
02 Almost Grown [2.19]
03 Maybellene [2.19]
04 Johnny B. Goode [2.38]
05 No Particular Place To Go [2.42]
06 No Money Down [2.57]
07 Thirty Days [2.22]
08 Too Much Monkey Business [2.55]
09 You Can't Catch Me [2.42]
10 School Day [Ring! Ring! Goes The Bell] [2.41]
11 Sweet Little Sixteen [3.10]
12 Around And Around [2.39]
13 Carol [2.47]
14 Little Queenie [2.40]
15 Back In The USA [2.27]
16 Nadine [Is It You ?] [2.35]
17 You Never Can Tell [2.41]
18 Promised Land [2.23]

baxaê

Monday, January 28, 2008

é aniversário da cidade. ando pelas ruas sozinho. ruas que nunca cruzei antes, nem em sonhos. um vento frio bate de frente e balança as árvores para todos os lados. Fico olhando uma igreja antiga e bonita, com uns vitrais brilhantes e coloridos. atrás dela o céu está sinistro e encoberto por nuvens carregadas, empelotado, numa explosão de tons cinzas, como um pano de chão imundo. o asfalto, o concreto, o céu, cinzas. as árvores num verde escuro e vivo. assustador. sinto-me pequeno ali no meio. e aquele estranho contraste causa-me náuseas. algo estranho por dentro, ruim. como se eu não estivesse inteiro, completo. Como se alguns pedaços estivessem faltando e precisassem ser encontrados e varridos, e depois colocados de volta no lugar. minha visão embaçada e aquele sentimento atormentando meu estômago, minha mente. por que deus me fez assim? continuo andando quieto. desejo baixinho que tudo aquilo suma da mim, que fique para trás. cruzo ruas por onde nunca andei antes. nem em sonhos. é aniversário da cidade. Parece que ninguém está comemorando.
Quando chego em casa depois de um dia longo, gosto de ficar no sofá escutando alguma coisa suave. Geralmente ouço folk ou um country bem antigo. Talvez para dar um rolê fora da cidade dali mesmo, do sofá, deitado sobre a poeira das incertezas e o cascalho da ansiedade. Nesses dias nublados de horário de verão, tudo fica ainda mais confortável. Com o vento entrando pela janela e balançando as folhas da trepadeira na janela, a caixa de som que chia nas notas mais graves, à espera da noite entre uma xícara de chá e uma bolacha preza. Tomando conta de porra nenhuma. Fico com Nick Drake ou Phil Ochs que falam sobre guadalupes e fumar demais, de colinas da Virgínia e carpinteiros solitários do oeste, de problemas com o carro velho. Ramblin’ Jack Elliott e Bob Wills & His Texas Playboys. Às vezes escuto Sérgio Reis também. Tenho um vinil velho com a capa toda descolada com as melhores músicas do vaqueiro sertanejo. Gosto do campo e do conceito de sossego, mesmo que isso ainda seja um pouco distante de um ideal de vida para mim. Nem cachorro eu tenho. Muito menos um rifle ou uma cadeira de balanço. Tenho apenas um punhado de músicas, um maço pela metade e um fim de tarde vazio.


Phil Ochs - "Ain't Marching Anymore"*
1. In The Heat Of The Summer
2. Draft Dodger Rag
3. That's What I Want To Hear
4. That Was The President
5. Iron Lady
6. The Highway Man
7. Links On The Chain
8. Hills Of West Virginia
9. The Men Behind The Guns
10. Talking Birmingham Jam
11. Ballad Of The Carpenter
12. Days Of Decision
13. Here's To The State Of Mississippi

Thursday, January 24, 2008

eu tenho uma história pra te contar. Eu só não sei por onde começar. Hoje acordei pensando no suicídio do gato. Na verdade, eu nem dormi. Por que será que ele pulou? Será que ele tava cansado de provar alguma coisa que não era? Um bichano ou um selvagem? Gado ou lobo? Eu tenho algo pra te dizer. Só não consigo encontrar palavras. Sempre fui ruim com elas. Talvez por causa que eu tenha aprendido tudo através de berros. Daí, engolia sem mastigar, sabe? A única pessoa que nunca berrou comigo é a minha mãe. também, só fala merda. Ela é uma mulher muito serena, daquelas que flutuam. talvez por isso nenhum gato dela tenha se matado até hoje. Ela me fala bastante sobre essas coisas de religião e família. Tudo com uma voz bem baixa, sentada numa poltrona de retalhos que tem na casa dela. Diz que essas coisas são as coisas mais importantes para um homem. Para a vida dele. Eu discordo dela, mas fico em silêncio. Eu sei que se tentasse explicar o que penso, ela reviraria os olhos e depois comeria minhas idéias. Ela é muito inteligente. E calma. E eu sou ruim com as palavras. Já te disse isso, né? Quando uma pessoa discute comigo eu já parto pro pau. não, minha mãe não discute. Mas voltando, o que eu penso mesmo é que religião, família é essas porras ai, são um mal para o homem. O pior de todos é o emprego. Dizem que só o emprego produz riquezas. Eu acho que ele só produz dores nas costas e insônia. Essas coisas só desviam o homem do que mais importa. Desviam o homem de si mesmo. Não sei se estou sendo claro, mas acho que ficar acreditando num deus misericordioso, num patrão justo ou numa família feliz, só fodem com seu rabo. No fim você faz tudo pensando nos outros e quando erra, fica culpando os outros. O homem só precisa de comida e descanso, quando descobrirem isso, tudo será melhor. Eu tinha uma história pra te contar. Eu só não lembro mais agora. Deixa quieto. Tô atrasado. Dá um beijo no papai. Vou tentar conseguir outro gato pra gente. Prometo. Assim você não se sente tão sozinha enquanto eu estiver no serviço. Faz uma gelatina pra gente hoje.

Wednesday, January 23, 2008



hoje o trio estréia.

Monday, January 21, 2008

quase, nunca foi o bastante

Quase, por um bom tempo, foi o bastante. O suficiente. Dias que amanhecem escuros numa rodoviária no centro de uma cidade de interior que eu conheço muito bem. Eu cheguei numa manhã assim. Havia voltado apenas para curar a dor de um amor perdido. Eu procurava respostas sussurradas pelo vento que saia da sua boca. O único telefone que eu ainda guardava na memória e consegui discar num orelhão a cobrar. Sua voz parecia morta, carregada de uma tonelada de vacilos, uma fuligem, que você nunca ousaria admitir a ninguém. Cheguei à sua casa debaixo de uma chuva forte. Você estava mais acabada que nunca. Sua mãe assistia Vale a Pena Ver Novo e não me reconheceu, ou pelo menos fingiu. No quarto, uma toalha com pequenos furos, como sua pele, amor da minha vida. Coloquei minha maleta sobre sua cômoda. Você ficou ali sentada. Não parecia confortável. Eu ainda posso ouvir o som da lixa contra suas unhas. Ainda posso ver teu rosto iluminado pela luz opaca de um longo inverno que entrava pela janela. Ninguém mais está sozinho agora. Lembro-me do dia em que me disse que estava grávida. E chorou amarrada em mim. Aqueles moleques ali não sabem o quê estão falando. Aos 15 anos. Só que o filho não era meu. Isso foi há muito, muito tempo atrás. Vendíamos papelotes para os playbas da escola com o único intuito de pagar um aborto. Um aborto que custou muito pra você, já que te tornou menos que muitas mulheres, segundo sua mãe. Eu me lembro bem. Não era pra ser tão difícil. Não era para ser impossível. Sua felicidade comprada em becos com esgoto a céu aberto. Usando as ruas para se esconder da vida. A pia da cozinha e as pílulas coloridas de sua mãe espalhadas sobre ela. Quase, sempre será o bastante. Íamos para o Parque Ecológico e nos escondíamos onde a mata era mais fechada. Você escrevia poesias e lia para mim. Parecia um anjo sujo, com suas madeixas douradas cheias de cachos e folhas secas. Hoje está mais para uma pintura esquecida num depósito úmido debaixo da escada de um sobrado. Seu sorriso desapareceu como uma floresta após um incêndio criminoso. Não lê mais nada. Não possui uma única novidade para me contar depois de todos esses anos. Não se importa mais com música ou pessoas. Eu não sei. Pode parecer o velho clichê da menina que sofreu abusos na infância e depois perdeu o rumo, entretanto, isso não é verdade. Você era ligeira e tinha idéias boas, precoce e divertida. Vivia fazendo piadas das minhas tendências suicidas, tanto que até percebi o quanto aquilo era uma grande bobagem. Quase, nunca foi o bastante. Arrumou os caras errados. E perdeu a infância um pouco cedo demais, só que isso acontece com moleques como aqueles que nós fomos. Nunca tivemos nada sério. Éramos irmãos que trepavam gelados após um baseado. Éramos um casal que formava uma gangue. Éramos os desgracinhas cheiradores de cola. Eu fui até sua casa naquele dia, apenas pra te pedir ajuda. Queria ver como você passava. Algo me cortava. Quase, nunca foi o bastante. E você já não acreditava. Você se lixando na beirada da cama. Com o baton borrado e o lápis preto ao redor de seus olhos verdes e tristes. Disse que tinha se arrumado para mim. Atrás, pela janela eu via, uma cidade que um dia me pertenceu, seus prédios descascados com janelas de metal, o céu cinza de inverno, o som do motor dos ônibus. Uma cidade que perdeu todo sentido para mim. Pensei em me aconchegar ao seu lado, segurar sua mão e dizer o quanto sentia por você e por toda essa merda que havíamos nos tornado. Mas, ao invés disso, apenas abri minha maleta e atirei uma poesia antiga que havia ganhado de você no Parque. Nela dizia que quase, nunca foi o bastante. Quase, nunca será o suficiente. Fui embora na chuva. Sua mãe se despediu, mas eu não respondi. No ponto de ônibus, um cara vendia revistas pornográficas, com meninas de rosto angelical, para três caras bem-vestidos.

Cat Power – “Jukebox”


Tracklist
1. New York (Frank Sinatra)
2. Ramblin' (Wo)man (Hank Williams)
3. Metal Heart (Cat Power *)
4. Silver Stallion (The Highwaymen)
5. Aretha, Sing One For Me (George Jackson)
6. Lost Someone (James Brown)
7. Lord, Help The Poor And Needy (Jessie Mae Hemphill)
8. I Believe In You (Bob Dylan)
9. Song To Bobby (Cat Power **)
10. Don't Explain (Billie Holiday)
11. Woman Left Lonely (Janis Joplin)
12. Blue (Joni Mitchell)

Esse disco saiu agora. Escutei apenas uma vez, bem por cima, mas já deu pra perceber que está bem afiado, que nem gilete. A banda funciona e faz um som cheio de classe pra voz rouca e cheia de emoção da gostosinha flutuar por cima. Com duas músicas inéditas e uma pancada de covers, a mocinha que não se equilibrava com o copo na mão, teve bom gosto no repertório.

Thursday, January 17, 2008

presente roubado



Nina Simone - The Essential Nina Simone

lady vingança

era uma mulher fatal
pegou uma faca
e cortou meu pau
Aqui do lado do meu trabalho tem um prédio abandonado. No prédio que eu trabalho têm pessoas. Quando quero fumar um cigarro eu desço dois andares de escada e pulo o muro com ajuda das roseiras, caindo no prédio abandonado. Pego o copo de café em cima do muro e fico caminhando por ali até o cigarro virar bituca. O prédio abandonado na verdade é uma construção abandonada. O reboco ainda está aparente e parece cansado disso. As vigas e vergalhões estão cobertos até a metade, como lanças medievais num campo de batalha. Ainda existem vestígios de pessoas que trabalharam ou apenas passaram a noite ali. Algumas fezes ressecadas também. E latas furadas. Um dia encontrei uma mendiga lá. Ela estava encolhida e parecia muito assustada com a minha presença. Ofereci um cigarro. Ela não quis. Ofereci um gole de café. Ela tomou tudo. Ficamos em silêncio um tempo, daí ela virou e me perguntou se eu acreditava em Deus. Disse que algumas vezes sim. Outras não. Então ela disse, que se ele existisse mesmo, estaria rindo de todos nós. Não entendi nada. Pulei o muro de volta e sentei na minha escrivaninha. Passei o resto da tarde carimbando uns papéis com os fones no ouvido. Quase não percebi que no fim do expediente caiu um pé d’água daqueles. Árvores deitaram. Esgotos transbordaram. E casas alagaram. Crianças desapareceram em córregos. E um pouco mais pro interior, pessoas foram atingidas por raios. Fiquei assistindo aquilo tudo da janela, cheguei a ponto de quase rezar, no entanto, me lembrei do que a velha mendiga havia me dito. Não tive sequer coragem de pegar o coletivo.

Wednesday, January 16, 2008

Ontem, bem tarde, o carro quebrou na porta da vila. Assim, de repente. Bem na entrada que também é a saída. Parou. Não ligava mais. Numa pisada mais vigorosa no pedal da embreagem, ele se soltou como um pêndulo. Eu estava bêbado e encostei a testa no volante. Tentava pensar numa forma de entrar pelo corredor e estacionar o carro. Coisa de 10 metros. Desci e abri o portão. Posicionei-me atrás do automóvel como um decrépito e empurrei. O grande porém é que tem uma lombada ali, uma porra de um quebra-molas na entrada e aquela desgraça não deixava o carro passar. Ele subia e voltava com tudo pra cima de mim. Tentei uma 5 vezes. Até pegando embalo. Cocei a cabeça por 3 segundos e decidi que nada poderia fazer. Fui em casa e peguei um papel e uma caneta: Sr. vizinho, meu carro quebrou. Por favor, me acorde para que possamos empurrá-lo. Obrigado. O cara me acordou às 5 e meia.

Tuesday, January 15, 2008

a Conrad já colocou em pré-venda o CLIC 3, do Milo Manara. tenho esse volume em italiano. é o mais fraco da série, no entanto, não deixa de ser divertido e sacana.


última vez

não conversamos direito da última vez. você em seu vestido verde com estampas de cavalo. eu com a cabeça fora do lugar e o coração na glote. na hora que a coisa toda ficou mais ríspida, você foi embora e deixou a porta aberta.

fiquei ali parado assistindo você caminhar desajeitadamente sobre o paralelepípedo e
seu cabelo
seu vestido
meu amor
esvoaçando
para bem longe
sob o sol de um domingo à tarde.

Monday, January 14, 2008

nascido para perder

Passei 3 dias nas ruas com meus amigos. Não entendo essa minha necessidade, mas não posso chamá-la de vício, já que dificilmente me arrependo no dia seguinte. Isso só acontece quando tenho que trabalhar sem dormir ou tomar uma ducha. Dessa vez eu tinha atestado - ou seria um alvará? – para acordar na hora que desse na telha. Gosto de sentir a cidade de madrugada, “sozinho, andando por ai, sem estar apaixonado por ninguém”, como já dizia Iggy Pop. Visitar o amigo que não vejo há anos e encontrá-lo de cueca sentado na colchão encardido com os mesmos tênis do último rolê, em 2002. A poeira é tanta que não tenho coragem de andar em casa descalço e como não tenho chinelo, segundo o próprio. Trocar poucas palavras fumando um cigarro apoiado na janela que dá vista para a parede descascada de um prédio enquanto as embreagens controlam os motores lá embaixo. Depois subir a Augusta que pisca e todos aqueles malucos arregalados entrando e saindo de pequenas portas de ferro. Meu camarada francês oscila entre o valentão e o cara que abraça desconhecidos. Darci está calado, apenas grunhi entre baforada espessas de fumaça. Na 13, uma guria de lentes de contato azul se oferece de avião. Conta que tem 3 filhos e que pouco se fode pra eles. O ex-marido que cuida, aquele bosta, segundo a própria. O Opala cruza uma viatura em baixa velocidade. O gambé no banco do carona da S10 com o cotovelo pra fora me encara, eu o evito, faço cara de quem saiu da missa. Na sinuca, no rateio, juntamos 4 e 95. Ainda resta uma última garrafa. O dia começa do lado de fora. Ninguém parece se importar. Uma bicha me oferece tique-taque. Eu aceito pra aplacar o bafão curtido em cerveja e nicotina. Ela jura me conhecer. Dáonde mesmo hein?, pergunta. Talvez da casa do caralho, eu respondo. Respondo errado aliás, já que o pequeno perobo se acende. Casa do caralho, ai, onde fica isso mesmo? Ela segura meu braço esquerdo. Nenhuma resposta me sai. Apenas um tapa na orelha, de leve, pra não machucar a bichinha. Ela gira e sua carteira dá sopa. Eu puxo e abro. Setenta e cinco dinheiros. Tomo cinqüenta e devolvo a carteira. A coitada se esperneia e grita estridente. Devolve meu dinheiro! Devolve meu dinheiro! Os bicos dos pés se encontram, como uma seta. Devolve meu dinheiro! Esse dinheiro é meu, eu digo, tá querendo me roubar? Chama a polícia, irmão. Darci consegue falar. Algo se inverte. O francês interfere. Devolve o dinheiro da bichinha. Eu devolvo, penso em dar um conselho sobre não aporrinhar as pessoas. Desisto. Caminhamos. O lixo acumula na calçada e, àquela hora da manhã, é possível perceber como as pessoas são tristes na Aurora.
Fui, finalmente, assistir “O Natimorto” – adaptação que o Mário fez de um romance do Mutarelli e que já havia comentado aqui antes. O texto do Muta aliado à direção do Mário ficou foda. O cenário minimalista com um contraste de cores interessante dá certa elegância, só que ela desaparece quando a coisa desanda na quantidade de sílabas que saem da boca de Nilton Bicudo. A Martha tá muito engraçada fazendo a patroa-doida. E Manuella, bem, ela é pura classe. Se você não assistiu, não deixe de encarar.




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Assisti também “Graphic”, no sábado. Peça de um grupo de Curitiba onde 3 ilustradores amigos de infância disputam uma vaga de quadrinista numa editora. Uma montagem bem maior que das peças que costumo assistir, mesmo assim, gostei bastante. Bem engraçada, inteligente e, por que não, adolescente. Com idéias sem contexto na trama mas que funcionam, como a dancinha que os personagens fazem em certo momento. Hilário. Eu ria enroscado em mim mesmo e isso dava um calor do caralho. A peça acontece lá no Centro Cultural Vergueiro. Na saída, peguei um toró na rua que me molhou até os ossos. As notas de 1 real esfarelaram na carteira. Uma gangue de góticos se abraçava e sorria na estação de metrô. Eu achava que góticos eram solitários e sem senso de humor. Em casa minhas pegadas cruzavam a cozinha. Uma amiga me telefonou para dizer que a energia ameaçava cair em seu bairro. A pizzaria fechada e nada na geladeira. A luz do poste da vila em seus últimos espasmos de luz. Eu matei um pernilongo e seu sangue escorreu no azulejo.

Wednesday, January 09, 2008

caralho, se liga nisso aqui:

“Down and Out” - Ike Turner (clique com dir. salvar destino como...)

* roubado lá do pre-war blues, claro.

blood on the tracks

Esse é um dos discos mais perfeitos da história da música. Em certos momentos sinto-me genuinamente triste quando o escuto. Em outros, sonho. Talvez seja por isso que eu goste tanto dele.





download
Ando confuso com meus sentimentos. Pensando muito no passado, na infância e em quando passava as tardes no quintal de casa com todas aquelas roupas balançando no varal. Ando triste e aborrecido. Sinto falta dos meus cachorros que morreram atropelados. Dos finais de semana ensolarados lavando o carro do meu pai. Do cheiro da grama. E dos cumulus nimbus que traziam a chuva do outro lado do lago. Nada importava. Hoje eu sinto demais. Meus amigos insistem em suicídio. Os semáforos fecham depressa. E a vida é tão cheia quanto o chapéu de um velho cego pedinte. Você diz que me ama e eu não consigo sorrir. Permaneço deitado encarando a quina do teto. Ou observando da janela as pessoas passarem do outro lado da grade. Ando confuso com meus sentimentos. Sinto que envelheci cedo demais.

Tuesday, January 08, 2008

Marina não conseguiu engolir a amostra grátis de pão de queijo que a atendente lhe deu no balcão da padaria. As lágrimas escorreram por suas maçãs do rosto e ficaram ali, dependuradas no abismo de seu belo queixo. Tim havia sido morto por frentistas de um posto de gasolina em Palmas. Aquele foi seu último erro. Éramos uma gangue. Tim nos liderava em assaltos a bancos, postos de gasolinas e estações de trem ao redor do país. Sarah, sua mulher, um furacão em todos os sentidos, havia morrido numa fuga mal-sucedida num levante no interior de São Paulo. Com isso, Tim enlouqueceu. Chegou a apontar a arma na minha testa quando tentei tirá-lo de um hotel em Araçatuba depois de 11 dias trancado injetando cocaína com vodka Baikal. Tim se entregou ao diabo. Eu arrastei Marina, minha guria, para uma cidade minúscula no Paraná com intuito de desbaratinar alguns federais que estavam em nosso encalço. Fiz de tudo para Tim vir conosco, mas ele parecia decido a morrer e levar alguns canas com ele, talvez até alguns inocentes que atravessassem seu caminho. Estacionei o Maverick num matagal e o cobri com galhos e plantas secas, ali ninguém poderia encontrar a máquina usada no nosso último ataque a um posto Graal na Marechal Rondon. Era a quarta vez que assaltávamos aquela porcaria, dinheiro fácil e tanque cheio. Tive que ameaçar um pulha que quis bancar o valentão que tentou segurar a porta carro na hora da fuga. Desci, enfiei o cano na boca do infeliz e escutei o esmerilhar de seus dentes. O desgraçado era grande, e chorou ajoelhado como uma menininha. Conseguimos uma bolada e descemos pro Sul, com pacotes de cigarros, muita bebida no isopor no banco de trás e alguns comprimidos de Demeral. Tim havia escolhido seu caminho na loucura após a perda de Sarah, no entanto estava em meus pensamentos o tempo inteiro. Eu sabia que nossos dias de glória estavam chegando ao fim. Quando fiquei sabendo de sua morte através de um antigo comparsa de Brasília, através de um e-mail, não tive dúvidas de que tudo estava acabado, e que o certo era eu conseguir mais alguma grana em assaltos, comprar um pedaço de terra e me instalar com minha mulher.

Monday, January 07, 2008


sem esse papo de luz

Começo o ano na pilha do Bo Diddley. Não posso querer mais “nada por enquanto”.

http://youtube.com/watch?v=xwdDomMm0o4

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Foi num hotel barato na Chapada dos Guimarães que tive meu primeiro contato com “100 Balas”. Isso agora, pouco tempo atrás. Estava tão vidrado no barato que saí na madrugada abafada da pequena cidade para procurar algum trailer aberto que pudesse me vender mais algumas cervejas para, assim, atrasar um pouco o final do volume “Um Blues para um Minuteman”. De inicio fiquei um pouco perdido pelo roteiro descompactado e a trama da HQ, já que não a peguei desde o começo e nem imaginava como era, apenas gostei do título e na Fest Comix estava uma pechincha. A narrativa de Brian Azzarello é impressionante, com diálogos quentes num clima neo-noir (como avisa o prefácio) batizado com a linguagem das ruas, agora junte isso aos desenhos do argentino Eduardo Risso e a coisa desanda. A arte do cara pode parecer simples e ligeira, mas é extremamente detalhada e os ângulos que o desgraçado pega são de fuder a bunda da tia, como uma visão atrás do ventilador de teto ou do reflexo do espelho quebrado do banheiro, sendo que a merda toda acontece lá dentro do quarto. Não assimilei muito bem as cores. 100 Balas está disponível em vários volumes ou 'trade paperbacks' - aqueles tijolos de capa dura envernizada que custam o olho da cara – da Opera Graphica Editora.
Esvaziei minha cabeça na estrada, numa pista de mão dupla que sumia no horizonte cruzando o Mato Grosso do Sul, causando sonolência e certo estupor que desaparecia quando um caminhão cruzava o lado oposto e quase arrancava o capô do carro. Os buracos remexiam o estômago vazio. E cachorros mortos na estrada. E os espectros com cobertor caminhando sem rumo no acostamento. O cerrado dando lugar a grandes plantações onde apenas uma única árvore faz a sombra para a bóia. Uma cidade e suas luzes brilhando num destino incerto a quilômetros de distância para uma estadia num hotel barato e no televisor o noticiário berrava que as mortes nas estradas são recorde. Eu não acredito em alertas nem que a próxima curva seja a libertação. Acredito no vento e no aço, carne e óleo derretendo no asfalto dos erros alheios. Muitos morrem na reta. O motor estalava no posto de gasolina carcomido pela ferrugem e o teto gemia. O caminhoneiro sonhador solitário sobre suas havaianas azuis ofereceu um trago de cerveja numa tarde que o sol ameaçava explodir minha epiderme. No banheiro urina envelhecida e desinfetante barato.