Thursday, January 17, 2008

Aqui do lado do meu trabalho tem um prédio abandonado. No prédio que eu trabalho têm pessoas. Quando quero fumar um cigarro eu desço dois andares de escada e pulo o muro com ajuda das roseiras, caindo no prédio abandonado. Pego o copo de café em cima do muro e fico caminhando por ali até o cigarro virar bituca. O prédio abandonado na verdade é uma construção abandonada. O reboco ainda está aparente e parece cansado disso. As vigas e vergalhões estão cobertos até a metade, como lanças medievais num campo de batalha. Ainda existem vestígios de pessoas que trabalharam ou apenas passaram a noite ali. Algumas fezes ressecadas também. E latas furadas. Um dia encontrei uma mendiga lá. Ela estava encolhida e parecia muito assustada com a minha presença. Ofereci um cigarro. Ela não quis. Ofereci um gole de café. Ela tomou tudo. Ficamos em silêncio um tempo, daí ela virou e me perguntou se eu acreditava em Deus. Disse que algumas vezes sim. Outras não. Então ela disse, que se ele existisse mesmo, estaria rindo de todos nós. Não entendi nada. Pulei o muro de volta e sentei na minha escrivaninha. Passei o resto da tarde carimbando uns papéis com os fones no ouvido. Quase não percebi que no fim do expediente caiu um pé d’água daqueles. Árvores deitaram. Esgotos transbordaram. E casas alagaram. Crianças desapareceram em córregos. E um pouco mais pro interior, pessoas foram atingidas por raios. Fiquei assistindo aquilo tudo da janela, cheguei a ponto de quase rezar, no entanto, me lembrei do que a velha mendiga havia me dito. Não tive sequer coragem de pegar o coletivo.

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