Tuesday, March 27, 2007

esboços de retrovisor

O carro fica na estrada e no rádio toca um rap de merda. Amoleço um pouco os braços para conseguir soltar o volante e mudar de estação. A 210 por hora, qualquer vacilo vira carne moída no acostamento. Não gosto de rap, não gosto desses negões mal-vestidos com pinta de criminosos que vendem suas músicas para os brancos endinheirados escutarem em seus carrões desfilando pela Vila Olímpia. Nenhuma estação presta nessa cidade, por isso estou raspando o gato. Por isso e mais uma pá de coisas. Sem diminuir a velocidade, vasculho debaixo do banco do carona atrás de alguma fitinha K7, que não encontro. Lembro de quando fudemos até o encosto do bando quebrar como um muro de isopor. Rimos até o amanhecer, tomando vinho barato e fumando Gudang. Depois eu fui trabalhar e você dormiu até a hora que cheguei e caí na cama e senti o cheiro da sua pele e do seu cabelo que escorria pelas costas como uma catarata negra. Pelo retrovisor noto uma motocicleta vindo no cacete. Sem tomar conhecimento, o filha da puta me ultrapassa e desaparece no horizonte torto. Acaricio o painel e digo, calma, bichão. Ele ainda é novo, logo será um merda sem estilo. Preciso manter minha cabeça ocupada. Acendo um cigarro e piso mais fundo fazendo o motor V6 rugir ainda mais. Abro o vidro para bater a cinza que voa toda dentro dos meus olhos. Evito praguejar e canto “Big Train” do Mike Watt, espero a noite chegar e desaparecer com esse calor miserável pra eu poder dormir no banco de trás. Estou indo para o Peru, ou pra casa do caralho. Estou fugindo de mim. Para nunca mais voltar.

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