Tuesday, December 11, 2007

magnólias brancas e tijolos descascados

Era uma fábrica abandonada cercada por mato e magnólias e uma cerca de tela nas proximidades da rodovia Dom Pedro I. Eu sempre visitava aquele mastodonte de concreto quando saia da escola. Pulava a cerca com extrema facilidade debaixo do sol escaldante de um meio-dia tedioso de cidade de interior e adentrava a escuridão das grandes salas cheias de máquinas, esquecidas por algum magnata. Subia uma velha escada de ferro que levava à parte mais alta da construção, uma espécie de varanda sem corrimões, e sentava na beirada, tirava o baseado do maço de cigarros, o colocava entre os dentes e acendia observando as nuvens de moscas que giravam num redemoinho caótico ao redor de latões industriais. Pensava na diferença entre ser mosca e pássaro. E no estrago que seria cair lá de cima e se estatelar como uma fruta podre no chão de cimento. Do outro lado, através do mato todo que atravessei, podia ver a rodovia. De lá só era possível notar as chaminés escurecidas da fábrica, como cruzes num cemitério muito antigo. Passava a tarde ali. Nenhum movimento. Nenhum incômodo. Levemente chapado e respirando o ar puro da efêmera liberdade vespertina eu rabiscava histórias sórdidas no caderno que deveria anotar as porcarias que a professora ensinava na aula. E o dia me engolia até virar noite. Às vezes me sentia triste ali por motivos que nem eu sabia. Mas na maioria das vezes eu ria mesmo. Conversava alto sozinho comigo. Corria por aqueles blocos enormes com uma barra de ferro na mão fazendo o maior estardalhaço. Um dia pisei num prego numa tábua. Aquela desgraça varou meu tênis e fincou na minha carne. Praguejei como um profano. Fiquei ali um tempo. Deitado de barriga pra cima. Assistindo as nuvens se moverem no céu azul. O farfalhar das árvores ao redor. Os carros deslizando na rodovia lá longe. Com a planta do pé brotando sangue fresco. Fantasiei minha própria morte. No esquecimento daquela cloaca. Magnólias brancas e tijolos descascados.

1 comment:

ninguem said...

É a vida...uns embarcam, outros empacotam.