Wednesday, October 31, 2007

Josephine acordava todos os dias cansada. Suas costas estavam cada dia mais curvadas pelo peso da rotina. Ô vida chata, ela comentava com seu reflexo no espelho. Não morava longe do emprego, mas achava de extrema petulância enfrentar o trânsito até lá. Chegava sempre 10 minutos antes para abrir a loja com o funcionário Cosme. Levantavam as portas de ferro, ligavam os televisores virados para a vitrine, checavam a secretária eletrônica, recolhiam o lixo dos banheiros, ligavam os computadores do caixa e só depois abriam as grandes portas de vidro. Quando a faxineira aparecia, os dois saiam para fumar um cigarro no estacionamento nos fundos da loja. Cosme era do tipo asqueroso que se acha, daqueles que falam tudo errado e com o rosto colado. Sempre numas de colocar o braço em volta de Josephine que se desvencilhava na maior elegância. Josephine sabia que Cosme roubava na loja. Era a única coisa que ela admirava nele. A Pernambucanas ficava cheia no horário de almoço. Parecia que aquele monte de merda escorria dos escritórios até a loja para ficar olhando as mercadorias. Micro-ondas, tostadeiras, George Foreman Grill e DVDs horríveis que custavam 1/4 do preço nos camelôs. Quando o expediente terminava, Josephine juntava suas coisas, não tirava o uniforme e ia até um bar de azulejos amarelos nas proximidades. Tomava algumas garrafas de cerveja enquanto lia algum livro. Todos a conheciam de vista ali, percebiam que não deviam atrapalhar sua concentração. Foi nesse bar que vi Josephine pela primeira vez. Aquela bela mulher, calma como uma bomba esquecida na estante, com as pernas cruzadas por baixo da mesa e os calcanhares para fora do conga, esparramada na cadeira de ferro lendo Gutierréz. Não me aproximei naquela noite. Fiquei a observando acender um cigarro e esperar o ônibus. Depois partir guardando o bilhete único se equilibrando no corredor. Pude notar um leve sorriso em seu rosto. Voltei para casa a pé. Na vizinhança, crianças jogavam bola na rua. A pelota veio em minha direção e eu acertei uma bicuda que explodiu no portão do barba ruiva. Ele estava tirando as compras do porta-malas do carro e tomou um susto, estralando a sandália no piso e balançando sua barrigona cheia de veias. Virou-se xingando nossas mães, aquele porco. Todos caíram na gargalhada e eu fui jogar no gol.

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