Wednesday, December 13, 2006

É a morte do gato, na verdade uma bela gatinha cheia de pulgas, que nasceu rápida para morrer e doente demais para ser tomada como minha. Eu a chamava de Gato, simples, não sabia seu sexo até uma vizinha entendida a virar de barriga pra cima e olhar por entre suas patas traseiras. Apesar disso, não mudei minha maneira de tratá-la. Às vezes eu chegava de madrugada e lá estava Gato dormindo no sofá indiferente a minha presença. Eu preparava um miojo e dividíamos a última fatia de presunto que secava na terceira prateleira da geladeira sobre uma bandeja de isopor. Ela miava triste como uma rosa murcha nos finais de tarde quando eu não queria que o sol laranja desaparece atrás daquele novo miserável prédio de apartamentos. Gostava de observar seus grandes olhos verdes que não me diziam Nada e passar meus dedos por entre seus labirintos de pêlos. Ontem acordei apressado e nem notei a falta de Gato, ela não apareceu para cobrar miando sua metade de salsicha nem estava na janela escutando os periquitos piando insistentemente, provocando roncos secos no seu estômago. Cheguei tarde e deitei exausto no sofá, seus pêlos invadiram minhas narinas e minha boca, fiquei aguardando o ronronar suplicante por carícias na nuca, mas Nada. Quando fui colocar o lixo para fora encontrei Gato dormindo na sarjeta, pude ver a pele de sua barriga pela primeira vez, tostada pela correia do motor de algum carro, provavelmente o meu, dilacerada pela metade, com seus olhos verdes tristes e cheios de remela esbugalhados pelo pavor da ignição. Não me dei o trabalho de recolher seus restos, uma tempestade veio para sepultá-la em algum bueiro.

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