Thursday, August 12, 2010




Coloquei meu fone de ouvido e minha jaqueta de couro com o forro tão estropiado quanto o das mesas de sinuca do centro da cidade e fui atrás de um dos sujeitos que contribuíram para arruinar minha vida. Terça-feira passada, num começo de noite frio e acinzentado, o congestionamento travava tudo em frente à minha casa, os coletivos estavam entupidos de pessoas preocupadas em chegar logo onde quer que fossem. Larguei meu automóvel de bateria arriada na goma e desci a Cardeal peregrinando, alheio a tudo ao meu redor e com vagas idéias erradas rodeando minha mente. No fone, Harlem tocava alto, muito alto, e ditava meu ritmo. Meia hora e meia depois, cheguei ao meu destino e percebi que o mesmo estava apinhado de gente. Eu já esperava por isso, pois quem estava lá dentro era a lenda viva Robert Crumb. Atochei a boina fundo na cachola e, depois de perceber que seria impossível conseguir um lugar nas cadeiras, me posicionei num degrau estreito da escada, logo atrás de onde Crumb e seu amigo Gilbert Shelton se sentariam para bater um papo maneiro com a rapaziada. Caco Galhardo chegou logo na seqüência e me confessou ali sua ansiedade de intermediar o papo com esses dois senhores que se empanturraram de LSD nos tempos áureos da calça boca de sino. Confesso que nunca li Freak Brothers nem calcei chinelo de couro, cultivo certo asco de qualquer coisa referente aos hippies, mas estava ali apenas para ver, mesmo que de longe, Robert Crumb.
Do local que me posicionei - e não me levantaria mais durante as próximas 2 horas - estava a menos de 2 metros da mesa principal. No momento que os sujeitos entraram, uma muvuca ensandecida se formou por cima da minha cabeça, bicos de sapatos me futucavam as canelas e bundas alheias me esbarravam na cara o tempo todo. Não me importei com nada, apenas em escutar e acompanhar o bate papo apocalíptico que estava rolando. E foi divertido pra caralho. O cara era aquilo mesmo que eu imaginava, um cínico desgraçado, um sujeito engraçado e sacana, que me acompanhou na adolescência em mochilas encardidas e no banco de trás de carros atapetados com vidro à manivela, em salas de aulas tediosas e rodas de maconha no final da rua.
Quando parei de sentir minhas pernas, resolvi me levantar e fumar um cigarro na companhia dos meus amigos. Já estava satisfeito e feliz. Impossível negar que fiquei emocionado.


Leia também, longe dos 140 caracteres e comments abreviados, o relato do Grampá, que conheceu Crumb em Paraty; e do Mac que fez um rolê com o cara para encontrar vinis de 78 rpm em Sampa. São de lascar.

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