Friday, February 06, 2009

Último brinde

Às vezes eu uivo pra lua e lembro do verso de Allen Ginsberg: “I saw the best minds of my generation destroyed by madness...”
Às vezes eu imito um velho bêbado conversando com seu piano.
Às vezes eu rio dos meus inimigos invisíveis que seguem atrás de mim na praia tentando apagar minhas pegadas na areia.
Às vezes eu olho pra cara vermelhona do sol e grito a plenos pulmões: é isso aí, meu chapa, continue brilhando, brilhe pra valer.
Às vezes eu sussurro versos indecentes no ouvido de Lady Solidão só pra vê-la excitada.
Às vezes eu recito diante do espelho trechos de poemas tristes que eu mesmo escrevi há mais de dez anos: “musas sádicas me acariciam / com unhas de gilete / lábios em carne-viva, mil beijos / de medusa — stripers que após a roupa / arrancam a própria pele.”
Às vezes eu escuto os pés do Tempo roçando de leve o assoalho de madeira do corredor e digo a ele: Eu sei que você está aí, meu velho, pode passar. Não precisa ser tão cuidadoso.
Às vezes eu sonho que sou um boxeador com a cara toda arrebentada caído no canto do ringue e uma garota branca como uma xícara de leite diz bem perto dos meus machucados: vamos lá, querido, não jogue a toalha, vá pra cima, você consegue.
Às vezes eu lembro do dia em que ganhei um triciclo do meu pai e saí pela rua pedalando a milhão, feliz como um garotinho que acabou de ver sua mãe voltando do hospital.
Às vezes eu tenho vontade de chorar mas faz muitos meses que não consigo. Desde maio do ano passado.


Ademir Assunção

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