Tuesday, February 03, 2009

Texas

Se eu pudesse dirigir pelo resto dos meus dias, talvez eu conseguisse me manter quieto. Quem sabe se eu arrumasse um lugar para onde ir com você, garota, para muito, muito longe, talvez eu conseguisse me acalmar um pouco. Apenas o seu silêncio me deixa tranqüilo e consegue juntar meus cacos. Você atrás do balcão tentando encontrar a freqüência certa da estação de rádio. Servindo os caminhoneiros falastrões empapados em suor ou fatiando a torta de limão segredo da casa. As crianças berronas arremessando batatas fritas com catchup pelo recinto. Sua paciência com as pessoas. Só o seu silêncio eu escuto. Pela janela vejo a rodovia ensolarada. A poeira no horizonte. Espero a noite. Quando posso te ajudar a colocar as cadeiras viradas sobre as mesas e recolher todo o lixo dos banheiros enquanto você passa desleixadamente o pano no chão. Depois eu acendo o néon da fachada da lanchonete e nos abraçamos rindo no estacionamento ermo. O vento que levanta seu cabelo. Um poste solitário que ilumina apenas alguns arbustos que nunca foram aparados. Você está muito bonita hoje. Sabe, ando tendo visões. Nós dois num lugar bem sossegado, com cães pulguentos e a aurora coberta pelo sereno prateado. Uma casa de madeira, ou palha, onde a gente possa chamar os amigos e ficar altos, tocando banjo a noite inteira. Não desligue o rádio ainda. Essa música, apesar da freqüência ruim, me remete aos prados resplandecentes das chácaras nas beiradas da rodovia que desce para o Sul. É pra lá que eu quero ir, com você, lógico. Não ria. Agradeça seu patrão por tudo, ou mande ele à merda, apenas pegue um desses sacos de lixo e coloque suas coisas dentro, vamos. Esqueça seus estudos e esses museus empoeirados. Vamos dirigir até encontrar um pedaço de terra onde possamos descansar das pessoas. Não ria dos meus devaneios. Na verdade você gosta das pessoas. Gosta desses macacos que aparecem em suas caminhonetes cintilantes e ficam olhando seu traseiro. Adora servir famílias em férias que vão para o interior. E ri de sujeitos como eu, que ficam aqui escorados no balcão com uma xícara de café morno imaginando uma vida ao seu lado. Você tenta encontrar sua estação favorita no rádio, com um pano de pratos no ombro, suas unhas vermelhas e sua botina carcomida pelo cascalho, seu velho e surrado vestido florido e seu chapéu de palha. Esqueça aquela casa perto do canal. Deixe para trás esse néon aceso na estrada escura. Traga isso tudo para perto de mim, antes que eu tenha que partir sozinho novamente. Eu sei, o tempo mata tudo que sinto. Eu ando triste e perdido em visões e delírios de um cara embalado pelo egoísmo e a angústia reluzente de um otimismo tolo, que cansou de contar todas as coisas que deixou passar e que te ama obsessivamente, como uma melodia antiga que não sai da minha cabeça. Talvez eu ainda possa dirigir pelo resto dos meus dias, se for preciso, para encontrar um lugar para morrer em silêncio.

3 comments:

bitter sweet said...

Paris/Texas...

Adriana Godoy said...

Às vezes penso que você é o cara!!

Anonymous said...

vÔ! te falar em bitter, e ainda tem john lurie.