Monday, February 18, 2008

Só o tempo me dirá que caminho tomar. Não me tolero ultimamente. Calafrios e suor. A amargura me corta como o som de um violino tocado dentro de uma floresta fechada. Ontem o senhor apareceu em casa. Estava no sofá quando escutei seus passos pesados sobre os paralelepípedos da rua. Chovia bastante no fim da tarde. Ele bateu com os nós dos dedos, duros e vigorosos como carvalho, na porta da frente. Eu já sabia que era ele, mesmo sem ter sido avisado previamente. Abri a porta de madeira maciça e ele entrou sem me olhar, sem dizer uma mísera palavra. Sacudiu o guarda-chuva e o deixou nos fundos. Sentou-se na poltrona no canto direito da sala, juntou as mãos com os dedos entrelaçados na frente da face. Ele olhava através de mim agora. Pediu água e eu servi um copo da torneira, há tempos não abasteço o filtro. Notou que eu estava impaciente e perguntou se eu continuava pescando. Ando sem tempo, respondi. Não consigo me concentrar em nada, continuei, nem na espera de um peixe que morda o anzol, a isca das oportunidades. Como andam as coisas?, ele perguntou, sempre assim, cortando seu silêncio sepulcral com perguntas simples que me faziam querer falar sem parar. Eu não consigo me alinhar a porra nenhuma. Nem dividir meus pensamentos com alguém, a não ser você, no entanto, você só aparece de repente, e quase tenho certeza que sente, lá do outro lado da cidade, que não estou bem. Às vezes saio e encontro essas garotas da cidade, que parecem sempre estar andando por ai. Passamos a noite juntos e depois eu volto pra cá. Sinto-me um pouco culpado por não estar com quem realmente gosto, só que ainda não descobri quem é essa pessoa. Preciso de uma mulher ao meu lado para ser um homem, eu disse, mas na verdade, era pra ser uma pergunta. Então o senhor puxou um livro de sua bolsa de couro gasto e passou a ler, entre um gole e outro da água. Esse desgraçado ai não vai mais falar nada, pensei. Vai fazer como sempre, me ignorar e me esquecer aqui no canto. Rolei a cabeça no encosto do sofá e puxei uma leitura também. Dormi. Quando acordei, ele já não estava lá. Eu me sentia bem melhor. Coloquei minhas botas e fui dar uma volta pelo bairro. A atmosfera estava fresca após a chuva. Não ventava. Pelas janelas das casas, eu podia ver as famílias assistindo seus televisores de tubo. Uma criancinha, apoiada na janela do segundo andar de um sobrado, acenou para mim e sorriu.

4 comments:

Anonymous said...

...intenso...como você para ser...

Other Voices Other Rooms said...

bom texto.

Marcela Ferri said...

pode adicionar ne?

Carlos Carah said...

Fiquem à vontade.